Neuromancer (William Gibson) [Trilogia do Sprawl]

Antes de tudo, é bom esclarecer:

"O que é a Trilogia do Sprawl?"

R: Uma famosa série de literatura cyberpunk, escrita por William Gibson, um dos fundadores deste subgênero.

"Em que ordem devo ler?"

R: Segue abaixo a ordem de leitura e também links para as respectivas resenhas:

1º) Neuromancer - Resenha: (neste post, mais abaixo)

2º) Count Zero (Trilogia do Sprawl) - Resenha: http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/6065004

3º) Mona Lisa Overdrive (Trilogia do Sprawl) - Resenha: http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/6065005

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VOLTANDO À MATRIX, DEPOIS DE 9 ANOS

Desde que descobri o que o termo “cyberpunk” era o contêiner (subgênero) que abrigava vários filmes e animações que gostava, comecei a correr atrás das “origens”. Um bom começo foi assistir o filme Blade Runner, por toda a estética apresentada. Depois, comecei a ouvir falar muito de um autor chamado William Gibson e, com o lançamento de Matrix, depois de ficar maluco com o filme, vi em artigos de revistas as inspirações dos diretores, dentre elas, Neuromancer.

Em meados de 2007, li a 3ª edição (2003) da Aleph. Agora, em 2016, li a 4ª edição (2008), com nova tradução de Fábio Fernandes (grande especialista no assunto que, inclusive, já escreveu uma obra cyberpunk chamada “Os Dias da Peste”). Já não me recordo muito bem da primeira leitura, mas acredito que a nova tradução tenha alterado mais alguns termos próprios do livro, ainda assim, arrisco dizer que Fernandes dá uma bela contribuição. Fica difícil afirmar sem ter lido os originais, mas gostei muito da tradução de 2001: Uma Odisséia No Espaço que ele fez.

Na primeira leitura, acredito que compreendi uns 50% do livro. Mas estava tão fascinado por ler minha primeira obra cyberpunk, que nem me importei muito e curti muito as partes que consegui entender bem. Só de “estar ali”, naquela ambientação, com aqueles termos, já era o suficiente para mim na época. Porém, após descobrir que o livro fazia parte de uma trilogia, vi a necessidade de fazer nova leitura, para melhor entendimento antes de seguir com os próximos títulos. Além da procrastinação básica, tive um impasse com o padrão de tradução das edições. Mas graças ao Total Recall (programa que permite trocar mesmo título por edição mais recente, pagando 50% do valor da atual) consegui padronizar as edições e, finalmente, encarei nova leitura.

Posso dizer que, desta vez, entendi uns 75% a 80%, hahaha. Sim, o livro é um tanto confuso. Por conta disso, apesar de inegável admiração que tenho, sou sincero. Para quem já é familiarizado com termos de informática/computação/tecnologia já é uma mão na roda. Pois, apesar do Glossário existente, é difícil assimilar alguns termos sem ter “vivenciado” essas tecnologias.

Quanto à Matrix, o ciberespaço, o livro apresenta um conceito diferente daquele visto nos filmes dos irmãos Wachowski. Esqueçam aquela representação semelhante ao mundo real. Via de regra (ou seja, existem exceções), você “verá” a Matrix como aquelas grades verdes num fundo preto, padrão muito usado em efeitos de filmes dos anos 80 (mais ou menos como Tron). Mas para uma representação mais próxima, recomendo dar uma olhada no jogo Shadowrun (Super Nintendo) ou Shadowrun Returns (PC), inclusive o nome de um dos personagens é Jake Armitage! Estes jogos irão dar uma boa ideia do que é a Matrix citada no livro e, inclusive, a alternância entre esse ciberespaço e o mundo real.

Na atual leitura, não pude deixar de notar o estilo (e aqui fica minha dúvida se o mérito é voltado mais a Gibson ou ao tradutor), algumas descrições me surpreenderam. Assim como não pude deixar de notar a bagagem cultural do autor. Se tiverem oportunidade, leiam tomando algumas notas e, se estiver com acesso à internet durante a leitura, pesquisem no Google, principalmente por imagens. São citadas várias marcas de cigarro, cerveja e até mesmo de bala de gengibre! Algumas gírias, nomes de personagens, veículos e outras citações remetem a músicas, líderes políticos, etc. Algo que torna a obra mais rica e não é usado de forma gratuita, pois terão boas analogias.

Falando em personagens, impossível não gostar do visual e implantes de Molly. O carisma de Dixie Flatline:

"— Cara, esse software é muito filho da puta. A coisa mais sensacional desde que inventaram o pão de fôrma fatiado".

Mas um dos que eu mais gosto é Maelcum:

"Maelcum concordou com a cabeça, a redinha de dreads balançando atrás dele como um balão cativo de algodão com crochê. — Ela é tua mulher case?

— Não sei. Acho que não é mulher de ninguém. — Deu de ombros. E voltou a encontrar seu ódio, concreto como uma lasca de rocha quente embaixo de suas costelas. — Que se foda — disse ele. — Foda-se Armitage, foda-se Wintermute e vai se foder você também. Daqui eu não saio.

O sorriso de Maelcum se espraiou por seu rosto como se fosse um farol.

— Maelcum é um garoto rude, Case. O Garvey é a nave de Maelcum. —

Sua mão enluvada deu um tapa num painel e o dub bass-heavy começou a pulsar nos alto-falantes do rebocador. — Maelcum não vai fugir não. Falo com Aerol, com certeza o ponto de vista dele é igual.

Case ficou olhando. — Não entendo vocês — ele disse.

— Eu é que não te entendo, mon — disse o zionita, mexendo a cabeça com a batida do dub. — Mas a gente tem que seguir pelo amor de Jah, cada um de nós".

Aliás, adoro essas gírias, esse dialeto rastafari que ele usa. E achei uma pena nessa tradução terem tirado o “eu e eu” (no lugar de “nós”).

No mais, o que mais gostei no livro é desse dinamismo de viagens, investigações, suspense, alternância dentro e fora da Matrix. As interações entre IA e Humanos, os efeitos de drogas descritos, os sonhos, alucinações. E todo esse multiculturalismo. Em especial, gosto dessa representação da matrix de forma mais abstrata, sendo bem mais interessante do que simplesmente um simulacro do mundo que conhecemos.

Voltando a falar de um zionita, dei risada sozinho (também em outras ocasiões) quando Case pede para Aerol colocar os trodos para ver algo, este o faz e, logo em seguida, tira os trodos com expressão triste e diz: “Babilônia!”

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Ficha Técnica:

Título: Neuromancer

Autor: William Gibson

Tradução: Fábio Fernandes

Edição: 4ª

Editora: Aleph

Ano: 2008

ISBN: 978–85–7657–049–3