A Batalha do Apocalipse (Eduardo Spohr)

SOMEWHERE BETWENN HEAVEN AND HELL

Adianto que o livro possui problemas, alguns menores, outros maiores. Ainda assim, com a atitude mental positiva em que estava, acabaram me servindo mais como alívio cômico do que de frustração. Não me deixo levar pelo hype e, neste caso, acabei lendo o livro muitos anos depois de seu lançamento. De qualquer forma, é sempre bom fazer algumas ressalvas para quem se interessar em ler, para calibrar as expectativas.

Aliás, antes de publicar o post, enquanto procurava imagens, encontrei um post do próprio autor, que traz algo na mesma linha que escrevi aqui:

"CUIDADO COM A EXPECTATIVA!

Expectativa é um problema e estraga qualquer bom filme ou livro. Como “A Batalha” ficou muito tempo fora do mercado (quase dois anos) é natural que cada um tenha a sua própria idéia sobre o romance.

Lembre-se de que uma obra nunca é exatamente igual à imagem que você idealizou. Pode ser melhor, pode ser pior… tudo vai depender do seu nível de expectativa".

É preciso ter em mente a estrutura em que o livro é organizado, uma vez que ele é bem longo e sem ter esse panorama de antemão, a leitura pode se tornar extremamente cansativa, ao ponto de largar o calhamaço pela metade.

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SINOPSE:

"Há muitos e muitos anos, há tantos anos quanto o número de estrelas no céu, o Paraíso Celeste foi palco de um terrível levante. Um grupo de anjos guerreiros, amantes da justiça e da liberdade, desafiou a tirania dos poderosos arcanjos, levantando armas contra seus opressores. Expulsos, os renegados foram forçados ao exílio, e condenados a vagar pelo mundo dos homens até o Dia do Juízo Final".

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Em momento nenhum é apontado o ano em que a história principal se passa, mas algumas informações implícitas dão a entender que seja o ano de 2024. À medida em que a trama avança, temos flashbacks bem longos que acabam lembrando aquele, de 10 minutos, do filme O Grande Dragão Branco, com Jean-Claude Van Damme. E não estou exagerando, um deles dura 138 páginas! Aliás, o livro presenteará os saudosistas com algumas referências, como a chinesa de olhos verdes como jade, clara referência ao filme Aventureiros do Bairro Proibido.

O fato é que estes flashbacks dão substância, tanto para o enredo, quanto para os personagens. Também ajudam a esclarecer e compor alguns pontos e motivações. Ademais, trata-se de um belo passeio por locais e eventos históricos / mitológicos, como: Babilônia (Torre de Babel), China, Grécia e Roma. Portanto, sente-se à janela e aproveite a viagem (e a paisagem!). Esse elemento épico e a longa jornada do herói, inegavelmente, remetem à sua origem clássica: A Odisseia de Homero.

"Começou com aquilo que os profetas chamaram de ‘cavaleiros do Apocalipse’. Não houve cavaleiro de fato nem entidades montadas que personificassem a previsão. Mas o renegado podia percebê-los nas guerras no Oriente Médio, nas crianças famintas na África, nas epidemias, nos falsos videntes em todo lugar onde a morte arrastava o seu manto. Depois, a situação mundial se degradou, e isso nada teve a ver com as forças infernais ou celestes".

Eduardo Spohr não criou um universo do zero. Ele relacionou fatos históricos, religiosos e lendas, moldando-os de forma a dar (ou tentar dar) coerência à história. Além da citação acima, podemos ver isso em outros trechos, como um onde são mesclados elementos de criacionismo e teoria da evolução. Logo, não cabe fazer uma comparação direta entre suas fontes e o livro em si, afinal, trata-se de uma obra de ficção.

Ablon é um dos anjos renegados, que foram expulsos do Céu e condenados a viver na Haled (Terra). Seu principal dilema é o fatalismo que o cerca: geralmente, as pessoas se conformam com a perda de um ente querido na esperança de “encontrá-lo do outro lado”. Com os anjos, isto não ocorre. Uma vez que não possuem alma, quando morrem, está tudo acabado. Por outro lado, tem uma espécie de complexo de Highlander, devido à sua imortalidade (não envelhece com o tempo), seu maior medo é o de esquecer as coisas que viveu e, principalmente, as pessoas que conheceu (infelizmente, o mundo de A Batalha do Apocalipse não foi contemplado com as Lembranças do Facebook).

Ainda que o protagonista seja um “paladino da justiça”, com incrível retidão e honra, o autor não trata os conflitos de forma (estritamente) maniqueísta. Existe uma luta do “Bem contra o Mal”, mas ela não se resume a dicotomia Céu versus Inferno, uma vez que há uma terceira faceta, que traz alguns tons de cinza.

Algo bem interessante é como dúvida, crença e compreensão afetam a transponibilidade entre mundo físico e mundo espiritual. Afinando ou engrossando o tecido da realidade, espécie de barreira entre os mundos ou dimensões, frequentemente mencionado na obra.

Um ponto dissonante é a repentina mudança da narrativa, em dado momento, de terceira para primeira pessoa. Não chega a estragar, mas causa estranhamento. É possível notar que o próprio autor teve dificuldades em mantê-la, quando o protagonista sai de cena: “O que se deu a seguir não foi presenciado por mim, e tudo o que sei foi relatado por […]”. Isto ocorre numa parte longa (aquela de 138 páginas, citada anteriormente), felizmente, a narrativa em terceira pessoa é retomada e segue até o final do livro.

Existe um trecho importante em que foi difícil manter a “suspensão de descrença”, não se trata de um furo (algo inexplicado ou imotivado) exatamente, mas sim de uma motivação um tanto absurda. Acabei levando isso para o lado cômico, mas não se trata de uma característica do personagem e sim da forma como o autor liga ponto A ao ponto B. Ele precisava levar a história de um lugar para outro, algo compreensível. Porém a “ponte” que ele construiu ficou com uma estrutura bem fraca.

Nos diálogos, um antagonista causa certa vergonha alheia, mas que acabei levando também para o lado cômico, numa fala digna do personagem Malvado dos Ursinhos Carinhosos. Por outro lado, temos personagens excelentes, como o hilário Lúcifer, lembrando muito os vilões afetados, tem tiradas sensacionais. O livro traz também algumas gírias legais, como Poleiro (Céu) e Porão (Inferno). Outras, mais agressivas, como bonecos de barro (forma pejorativa que alguns anjos se referem aos seres humanos).

A descrições de lutas e formações de combate são bem empolgantes, algumas delas, bem violentas. Temos algumas referências de Cavaleiros do Zodíaco e até mesmo O Santo dos Assassinos, eu diria. Quando digo empolgantes, é no sentido mais literal possível, remetendo as noites em que eu vibrava com as lutas do UFC (ou à minha mãe assistindo capítulos com plot twists das novelas da Globo…)

O ponto mais alto de A Batalha do Apocalipse, para mim, está na forma como Eduardo Spohr consegue amarrar bem a trama em vários momentos (mas não todos). Com ótimos recursos de roteiro, aproveita bem os elementos expostos ao longo da história, inclusive aqueles presentes nos flashbacks, utilizando-os até a última página. Se você não “pegá-los”, será surpreendido quando vierem à tona. Se for um leitor mais atento, se sentirá satisfeito e respeitado, mostrando que as 586 páginas valeram a pena em ambos os casos.

O livro de estreia de Eduardo Spohr não é isento de pontos fracos, alguns deles bem notórios. Não obstante, minha experiência de leitura foi plena e satisfatória. Não tenho referencial de outras obras do mesmo gênero, para efeito de comparação, mas gostei do universo apresentado e pretendo ler a trilogia Filhos do Éden, do mesmo autor.

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AQUI TERMINA MINHA RESENHA. ABAIXO, FALAREI COMO CONHECI A OBRA E AS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE FIZ A LEITURA.

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Antes de tudo, preciso confessar que somente na terceira tentativa consegui levar a leitura deste livro até o final. E acho que foi melhor assim, talvez se tivesse prosseguido nas tentativas anteriores, não teria sido uma leitura tão aprazível, como foi agora.

Quando criança, gostava muito de fantasia medieval a exemplo da animação Príncipe Valente, exibido pela Rede Globo. Também apreciava a lenda do Rei Arthur, explorada em várias mídias, inclusive nos games, como em Knights of the Round (SNES). À medida em que a temática de fantasia e ficção medieval se tornou um tanto saturada, diminuí bastante o interesse e passei a voltar mais minha atenção para a ficção científica, gênero que também apreciava.

Conheci o Eduardo Spohr através de um podcast famoso. Ele já estava com o projeto do livro, mas com dificuldades para lançar. Esse relato é fácil de encontrar em entrevistas, portanto não irei reproduzi-la aqui. O nicho de fãs deste podcast fez grande alarde sobre o livro, mas confesso que tenho uma certa aversão em seguir tendências, fanatismos etc. Dou mais valor a indicação de algum amigo que tenha conferido a obra e foi exatamente o que ocorreu. Quando foi lançada uma edição especial, em capa dura, com extras, vi uma boa oportunidade para comprar o livro por um preço promocional e assim o fiz.

Iniciei a primeira leitura em 2011. Logo nas primeiras páginas, fiquei empolgadíssimo, principalmente com a descrição das lutas e claras referências à cultura pop dos anos 80 e 90. Por motivos de força maior, acabei interrompendo a leitura. Em 2012, comecei a ler do início novamente. Ao chegar na página 205, algo bem estranho aconteceu: repentinamente, a narrativa do livro muda da terceira para primeira pessoa. Prossegui até a página 266 e imaginei que, dali em diante, manteria a narrativa nesta perspectiva, algo que me desanimou bastante, pois achei a nova perspectiva bem aquém daquela.

Há crimes piores do que queimar livros. Não lê-los é um deles (Ray Bradbury)

Eis que, depois de quatro anos e meio (!), com a motivação de ler os livros que estavam encostados na estante, coloquei como uma das metas de leitura para 2016, A Batalha do Apocalipse. Já aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, aproveitando o recesso da faculdade, resolvi encará-lo numa leitura mais corrida e intensa. Resultado: foi a melhor coisa que fiz!

Não tenho o costume de ler livros muito longos (algo muito comum neste gênero) e essa leitura mais intensa não deixa você perder o fio da meada. Como não gosto de escrever diretamente nos livros impressos (estou habituado a fazer isso no Kindle), adotei uma prática da qual não estou muito acostumado: passei escrever anotações em pequenos post-its: apesar desta ser uma leitura de lazer, em meus estudos tenho lido bastante sobre técnicas de estudo ativo, que ressaltam a importância de não só ler, mas escrever, praticar para que o conhecimento seja construído e memorizado de forma mais eficaz. Mesmo antes destes estudos, já gostava de tomar notas, mas sempre de forma digital, os post-its me desafiaram a resumir mais o texto.

Desta maneira, consegui ler o livro rapidamente e as notas me ajudaram a fazer alguns links de trechos distantes ao longo do livro, comecei a fazer deduções sobre o desfecho etc. Essa experiência me fez lembrar de um trecho de Como Ler Livros, de Mortimer Adler, em que o autor fala sobre possuir o livro. Tal ato não se resumiria a compra e posse do livro, mas a leitura ativa, escrever em suas margens, fazendo um diálogo com o autor. É algo que concordo e sempre gostei de fazer, mas que só agora estou conseguindo canalizar melhor.