A palavra dos mortos

Assis Silva

A palavra dos mortos: Conferências de Criminologia Cautelar, configura-se um dos principais trabalhos editoriais da vida do jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni. Tal autor é formado em direito pela Universidade de Buenos Aires (1962) e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Nacional do Litoral (1964). Ganhou diversos prêmios e condecorações, como Prêmio Estocolmo de Criminologia (2009), Ordem da Estrela da Solidariedade Italiana, Ordem de Mérito do governo alemão e Prêmio Silvia Sudano. É vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal e da Sociedade Internacional de Defesa Social. Membro do Painel de Juristas Eminentes da Comissão Internacional de Justiça (Genebra).

A obra, A palavra dos mortos: Conferências de Criminologia Cautelar, é resultado de décadas de estudos e reflexôes e responde a anseios acadêmicos ao mesmo tempo em que tem um viés social importante: analisar a chamada “criminologia da mídia”.De forma brilhante o autor apresenta uma visão da criminologia a partir de uma das periferias do poder mundial a América Latina, com a finalidade de assinalar os elementos úteis, especialmente, à diminuição dos níveis de violência lesiva à integridade física e à vida. “A palavra dos mortos” foi escrita de forma clara, tornando-se acessível a qualquer pessoa que tenha interesse pelo tema com ou sem formação especializada.

O autor apresenta a história da criminologia, apontando onde nasceu e como foi se desenvolvendo. Fala sobre o biologismo criminologico e sobre os penalistas alemães com o neokantismo que teve grande influencia na nossa região. Sempre apontando os “preconceitos” que esta veio “dissiminando”.

Umas das grandes ideias desenvolvidas por Zaffaroni no livro e que merece um destaque maior, refere-se a Criminologia da midia. Para Zaffaroni a “criminologia da mídia” é construída a partir dos meios de comunicação a serviço do Poder, sendo fruto de um modelo de “estado policial” que amplia a sensação de medo nas pessoas. E essa paranoia alimenta e instala a crença de que a única saída para readquirir segurança seria buscar respostas na retaliação, punição e execução de medidas repressivas.

Ao deixar a coletividade em pânico, a criminologia midiática consegue a abertura necessária para libertar o poder punitivo de qualquer controle, mitigando os limites objetivos de nossos direitos e nossas garantias fundamentais. É, portanto, um mecanismo utilitário policialesco com a função de manter sob controle os excluídos.

Faz-se necessário uma indagação: por que o discurso da criminologia midiática é aceito pela sociedade? talvez, uma possivel resposta a esta indagação seria, porque diferencia o “nós” e o “eles”. Além do mais, visa alertar que, muito possivelmente, em decorrência dessa seletividade penal criada pela mídia e aceita pelo senso comum, eleva-se a crença da prisão como única alternativa para estabelecer a segurança pública e a ordem, vez que nada mais eficaz do que uma pena privativa de liberdade para afastar “eles” do convívio social.

A expressão “eles”, quer sustentar um posicionamento de que essa “criminologia”, se diferencia substancialmente da criminologia acadêmica, pretendendo criar uma realidade onde existam pessoas boas (que somos nós) expectadores, vulneráveis a “‘eles’ como um todo: uma massa criminosa de ‘diferentes’”3. Segundo Zaffaroni, a criminologia midiática cria uma realidade de um mundo de pessoas decentes frente a uma massa de criminosos, esta identificada através de estereótipos que configuram um “eles” separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. O “eles” da criminologia midiática incomodam, impedem de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixar-nos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos os nossos problemas. mas para que isso aconteça, é necessário que a polícia nos proteja de suas ciladas perversas, sem qualquer obstáculo nem limite, porque nós somos limpos, puros e imaculados.

Atualemente, a “criminologia midiática” tem como principal meio técnico a televisão para propagar o discurso do neopunitivismo. Para Zaffaroni, os críticos mais radicais e precisos sobre a televisão são Giovani Sartori e Pierre Bourdieu. Ele diz que para Bourdieu a televisão é o oposto da capacidade de pensar; e Sartori desenvolve a tese de que o homo sapiens está se degradando para um homo videns por culpa de uma cultura exclusivamente de imagens.

A contribuição da obra não está apenas na capacidade do autor de expor o problema de forma descritiva e crítica, mas também na apresentação das drásticas consequências desse modelo estatal, propondo soluções e caminhos alternativos, todos lastreados pela inclusão social.

Eugenio Raúl Zaffaroni, propõe uma mudança cultural de pensamento, mas, isso só poderia ser alcançado com mais informação, com dados verdadeiros sobre a criminalidade, e não com limitação da mídia que poderia consistir em uma censura que não levaria a lugar algum. Em outras palavras, a mídia poderia servir não como formadora de opinião, mas sim de realmente informar, por fontes legítimas e sem interesses diversos, como políticos. No entanto, sabe-se que tal mudança depende de uma conscientização coletiva alongada no tempo e desprovida de efetividade imediata.

Referências:

1 Acessado em: https://www.olibat.com.br/a-palavra-dos-mortes-conferencias-de-criminologia-cautelar-eugenio-raul-zaffaroni/. As 10:32 em 20/06/2017.

2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São

Paulo: Saraiva, 2012

3 DIAS, Fábio Freitas; Dias Felipe da Veiga; MENDONÇA, Tábata Cassenote. Crimonologia midiática e a seletividade do sistema penal. Segundo congresso internacional de direito e contemporaneidade. UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. 04, 05 e 06 jun/2013- santa Maria/RS. p, 385. 2013.

4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 307.