Resenha de Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley

Já não existem seres humanos vivíparos, ou seja, as pessoas já não nascem como antigamente. Num mundo povoado por bebês de proveta, dúzias de gêmeos são produzidas em série. As classes são determinadas e condicionadas a aceitarem suas respectivas posições, numa sociedade treinada durante o sono. Não há mais doença nem velhice. Não há lugar para tristezas. Quando qualquer problema aborrece, basta tomar uma dose de “soma”, a pílula do esquecimento. Essa é a atmosfera que se respira em Admirável Mundo Novo, publicado em 1931.

O romance distópico de Aldous Huxley figura, ao lado de 1984 e Farenheit 451, uma das obras mais incríveis e visionárias do século XX. Obra que anteviu uma sociedade totalmente automatizada em que as coisas naturais são consideradas abomináveis. O Estado tem pleno controle sobre os cidadãos. O lema “Comunidade, Identidade, Estabilidade” direciona esses seres que não possuem liberdade de escolha.

Numa ironia mordaz, várias são as alusões que compõe a obra. Ford é o Deus da nova era. Henry Ford, o grande empreendedor, da bem sucedida marca de veículos — o próprio. É a quem os personagens direcionam suas preces. É comum se deparar com as seguintes interjeições: “Graças a Ford!” ou “Ford seja louvado!”. O tempo também é contado dessa maneira: antes e depois de Ford, numa referência a Cristo. Eis uma crítica ferrenha ao mundo capitalista que visa apenas o lucro e onde o homem também se transmuta em máquina para atender à demanda:

É perceptível que o objetivo do autor era tecer uma crítica aos instrumentos de dominação dos regimes totalitários emergentes naquele momento histórico e ao modelo fordista de produção industrial.

MARTINS FILH0, 2003, p.3

O amor é outro ponto obscuro nesse "novo mundo", onde tudo que toca à sensibilidade deve ser imediatamente repelido. Um comportamento considerado saudável e seguro consistia em ter o maior número de parceiros durante a vida e não se ligar a nenhum por muito tempo. O sexo e a promiscuidade são estimulados através de jogos eróticos desde a tenra infância, enquanto o amor é reprimido. Obviamente que as paixões e amores desmedidos são vistos como uma ameaça num mundo que preza a estabilidade. "Todos são de todos" — é o lema que pode ser ouvido através dos auto-falantes, também utilizados como voz de comando.

A divisão das castas é um fator que contribui para esse equilíbrio, sendo os Gamas, Deltas e Ipísilons representantes das castas inferiores, direcionados às tarefas mais fatídicas e os Betas e Alfa-Mais, das castas superiores, direcionados a realizar tarefas mais importantes ou a ocuparem cargos de confiança.

A estabilidade, o equilíbrio, eis o sucesso de tudo. Qualquer pensamento, qualquer ação espontânea e original representam o perigo. E é isso o que faz o mundo hostil para Bernard Marx, um Alfa-Mais que foge ao padrão: fisicamente menor que um de sua casta, com anseios e preferências próprios. Isso é considerado o bastante para o incomodo de seu círculo social em que tudo deveria ser feito em grupo, todos deveriam agir e pensar de modo igual. Um acidente na proveta é a justificativa para seu comportamento peculiar. Dessa forma, eventos naturais como o simples fato de raciocinar por si próprio ou o desejo de ter uma vida privada, são associados a uma possível “anormalidade”.

Lenina decide acompanhar Bernard em uma viagem a Malpaís. Lá, eles entram em contato com uma civilização muito diferente, na qual, as pessoas realmente nascem e adoecem; possuem defeitos físicos, moléstias, odores e tudo quanto é passível de ocorrer num corpo orgânico sem as devidas precauções. É quando eles conhecem Linda e seu filho John, o selvagem — personagem central da narrativa.

Ao ser levado para a civilização do futuro, o Selvagem reforça a desumanização desse “Admirável Mundo Novo” — no adjetivo “admirável”, percebe-se a ironia do autor que buscou, já através do título do livro, satirizar uma atmosfera de controle e aceitação em que todos parecem felizes, mas não são. E o atrito, a estranheza causados pela figura do Selvagem se devem ao fato de ele ter nascido de forma natural, crescido sem condicionamento e ter contato com a leitura.

O ápice do romance é a descoberta de que John é filho do diretor da incubação e do condicionamento, o que o faz virar uma grande atração e, após constatar que não passava de um produto de entretenimento naquele mundo insensível, o Selvagem se isola e tem-se, no desfecho, a desordem desse sistema tão organizado.

São muitas as inferências detrás dos nomes das personagens: Lenina faz alusão a Lenin, também conhecido por Lenine - revolucionário comunista russo. Bernard Marx, por sua vez, faz referência a Karl Mark, o "pai do comunismo". O personagem Darwin Bonaparte pode ser interpretado como uma menção a Charles Darwin, naturalista britânico, responsável pela Teoria da Evolução. Benito Hoover refere-se a Benito Mussolini, que foi um ditador fascista italiano.

Além disso, como todo grande clássico, Admirável Mundo Novo inspirou outras obras. É visível a intertextualidade presente na música “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho:

Vocês que fazem parte dessa massa que passa nos projetos do futuro

É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber

E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa parecer

E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer

Ê, ô ô, vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz

Anos depois, a cantora Pitty gravou a versão mais moderna intitulada “Admirável Chip Novo”, cuja letra faz uma crítica ao comportamento automatizado, cego e obediente de uma sociedade manipulada pelo sistema:

”Pane no sistema, alguém me desconfigurou

Aonde estão meus olhos de robô?

Eu não sabia, eu não tinha percebido

Eu sempre achei que era vivo

Parafuso e fluído em lugar de articulação

Até achava que aqui batia um coração

Nada é orgânico, é tudo programado

E eu achando que tinha me libertado”.

A banda americana Strokes gravou a faixa “Soma”, que também faz alusão à obra de Huxley.

Ao abordar de forma contundente as mazelas da sociedade e adiantar dramas decorrentes da falta de humanidade existente nos próprios homens, Aldous Huxley faz de "Admirável Mundo Novo" um marco na literatura mundial. E mesmo após décadas de sua publicação, uma obra que reflete, assustadoramente, muitos aspectos da atualidade.

____________________________

REFERÊNCIAS

MARTINS FILH0, Altino José , A. J. Between the visible and insivible: reflection

about brave new world. Revista ORG & DEMO (Marília), 2003.

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo novo, São Paulo: Globo, 2014

RAMALHO, Zé. "Admirável gado novo".Disponível em: http://letras.mus.br/ze-ramalho/49361/, Acesso em 14 set.2014

PITTY,"Admirável chip novo".Disponível em: http://www.vagalume.com.br/pitty/admiravel-chip-novo.html.Acesso em 14 set.2014

Lidiane Santana
Enviado por Lidiane Santana em 19/03/2017
Reeditado em 06/04/2020
Código do texto: T5945943
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.