Capitães, o Mar e as Ostras

Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado (1)

Esse é o segundo livro dele que leio. E esta não é uma resenha técnica. “Dai a César o que de César”: que esta tarefa fique com os especialistas, digo escrever resenhas técnicas. Aqui registro simplesmente minha opinião como leitora.

Segundo livro... E de um dos escritores brasileiros mais conhecidos e reconhecidos - mundialmente! - Que vergonha... Pode?!

Pode! Pois no meu “affaire” com livros, assim como com bichos, não sou eu quem os escolhe e sim eles a mim! E tudo na vida - disso estou cada vez mais convencida - parece ter mesmo um tempo certo para acontecer.

O primeiro livro de Amado que eu li foi Mar Morto (1936). Era ainda adolescente... faz muito tempo, mais de 25 anos. Tão logo tenha a oportunidade relê-lo-ei, pois da história em si, restaram-me só algumas sensações: a força do amor entre Lívia e Guma, o cheiro e a braveza do mar e doces canções de pescadores. A passagem do tempo revela a força de um bom texto: certas frases, descrições, fragmentos que nos ficam na cabeça mesmo quando não entendidos por completo. Isso é uma das coisas que mais me fascinam na Literatura.

Estive distante da obra de Amado muito provavelmente por preconceito, um desses “bernes”(2) que somos capazes de carregar por muito tempo, como sugere Rubem Alves em “Ostra Feliz Não Faz Pérola” (2008), outra “pérola” para ser degustada. Sempre que estou meio desanimada leio Rubem Alves e as coisas melhoram. Incrível! Este seu livro é uma coletânea de pequenas anotações, feitas ao longo de anos com o propósito de um dia servirem para algum de seus livros. O próprio autor descreve esses fragmentos de textos como fotografias. E é exatamente isso o que são, e se me permitem, na condição de fã de Rubem que sou, fotos lindíssimas!

Meus preconceitos às obras de Amado foram talvez adquiridos de tanto ver suas histórias através dos olhos dos outros, dado as várias adaptações de sua obra para cinema e televisão. Com Capitães da Areia e Mar Morto bebi direto da fonte, fiz minhas próprias interpretações. Valeu a pena, principalmente na leitura de Capitães, que é recente.

Capitães da Areia revelou-me o pensamento social do autor (da época, claro) ora através do realismo por vezes chocante de algumas cenas, ora pela poesia singela de outras, e tudo batendo na mesma tecla: o problema dos menores abandonados vivendo nas ruas, as injustiças sociais no sertão e nas cidades.

Um livro que mesmo tendo sido escrito em 1937 continua (a meu ver) muito atual. A contracapa do meu exemplar revela que a primeira edição (1937) foi apreendida e queimada em praça pública pelas autoridades do Estado Novo, sendo o livro re-editado em 1944. Tal fato não me surpreendeu, dado as alusões do autor (ora diretamente ora nas entrelinhas) ao pensamento socialista, na época taxado de comunista – penso que tudo o que não pudesse ser dito como “direito” era automaticamente rotulado de “comunista”. E o que “comunismo” realmente era, muita gente desconhecia - Os editores também informam que Capitães da Areia é o livro de Jorge Amado mais vendido no mundo inteiro.

Caso ainda não tenha lido nenhum dos três, tire um tempinho para ouvir as histórias do Mar Morto, conhecer os Capitães da Areia, saboreando as Ostras de Rubem.

Boas leituras!

Um abraço fraterno :-)

1 - Jorge Amado, Capitães da Areia, Editora Leya, 2009,

ISBN: 978-989-65-3007-5

2 - Rubem Alves, Ostra Feliz Não Faz Pérola, Editora Planeta, 2008, ISBN: 978-85-7665-346-2; Bernes - Páginas 22 e 23.