Um filme de enganos: Luzes da cidade

UM FILME DE ENGANOS: LUZES DA CIDADE
Miguel Carqueija


Resenha do filme “Luzes da cidade” – Estados Unidos, United Artists, 1931. Título original: “City lights”. Produção, direção, roteiro e música: Charlie Chaplin. Fotografia: Gordon Pollock e Roland Totheroh. Direção de arte: Charles D. Hall. Montagem: Charlie Chaplin e Willard Nico. Preto-e-branco, 83 minutos.
Elenco:
O vagabundo.............................................Charlie Chaplin
A florista....................................................Virginia Cherril
O milionário...............................................Harry Myers
O pugilista..................................................Hank Mann
O mordomo...............................................Al Ernest garcia
O prefeito..................................................Henry Beyman

Clássico inesquecível do cinema norte-americano e um dos seus últimos mudos (não levando em conta a “Pantera cor-de-rosa”), “Luzes da cidade” representa uma grande criação do comediante inglês Chaplin, que mostrou o seu tão célebre “tramp” (vagabundo), o Carlitos, como entre nós é conhecido, numa situação patética e tragicômica e que assim se mantém do início ao fim.
Era comum, naquele tempo, que os personagens nem nome tivessem. Assim o de Chaplin é simplesmente “um vagabundo” embora eventualmente — lembro de já ter visto em algum filme — seja chamado de Charles, isto é, o nome do próprio comediante, Charles ou Charlie. Daí Charlot e Carlitos.
Mesmo assim pode-se dizer que ele não tem nome, como nome não possuem a florista cega e sua avó, o milionário excêntrico e demais poucas figuras que compõem o elenco. A excessão é o mordomo, a quem o vagabundo chama de James (mas talvez nem fosse o seu nome). Esse hábito pode parecer estranho mas é que os filmes mudos raramente apresentavam diálogos: estes eram apenas legendas que às vezes cortavam a cena, ocupando a tela.
Há detalhes singelos e outros hilariantes nesta comédia dramática. Achado genial é o milionário que, abandonado pela esposa e totalmente bêbado, tenta o suicídio por afogamento. Salvo a duras penas pelo vagabundo, torna-se deste um entusiasmado amigo — porém só o reconhece quando está embriagado.
A florista cega, que julga ser o seu amigo e benfeitor um ricaço, é o amor platônico e impossível do vagabundo, que por ela vai até lutar boxe para tentar ganhar algum dinheiro.
As ingenuidades e inverossimilhanças da fita são produtos das limitações da época, de um cinema baseado na pantomina e não no diálogo. A cena final, porém, é antológica e fecha magistralmente essa que é uma das mais significativas obras do cinema dos anos 30. Há, é claro, uma mensagem pungente por trás da comicidade: a tragédia do ser humano preso num círculo vicioso de pobreza, exclusão e incompreensão, e para quem o amor é uma quimera que a crueza da vida trata de desfazer.
Rio de Janeiro, 26 de junho de 2017.