A falsa longa-metragem

A FALSA LONGA-METRAGEM
Miguel Carqueija


Elencado embora como um desenho longo de Walt Disney, “Saludos amigos” (no Brasil, “Alô, amigos”), de 1942, representa um compromisso entre o cineasta e o governo Roosevelt, um esforço para fomentar a união entre os países americanos ante a ameaça do Eixo. É o resultado inicial de uma viagem que Walt e sua equipe (inclusive sua esposa Lilian) fizeram pela América do Sul, inclusive o Brasil, no que resultou na criação do papagaio Zé Carioca (que aparece em tela, contracenando com o Pato Donald) e na contratação do compositor Ari Barroso. Sabe-se que Disney apreciou muitíssimo a composição de Ari, “Aquarela do Brasil”, incluída na trilha sonora de “Saludos, amigos” e que é realmente apoteótica.
É um dos muitos filmes em que o próprio Walt é visto na tela, juntamente com Lilian e membros da equipe. Na verdade porém a duração de “Saludos amigos” é inferior a 50 minutos, e portanto seria uma média metragem, não uma longa. Mas foi lançado como programa principal nos cinemas, como se fosse longa-metragem.
Que pensar deste desenho exótico e sem enredo? Com alguns aspectos documentários em torno de costumes argentinos e de outros países, apresenta ainda a história singela do “filhote de avião” Pedro e sua missão de transportar o correio (muitos anos depois a Disney colocou personalidade em carros) e uma aparição do Pateta parodiando os hábitos dos gaúchos argentinos. No fundo, porém, é uma obra de propaganda, indiretamente é aprte da propaganda anti-nazista do cinema americano durante a II Guerra Mundial. É um trabalho alegre e original, onde Walt Disney aparece em pessoa. Divide-se de fato em quatro arcos: Lago Titicaca (com Donald às voltas com um lhama boliviano), o aviãozinho Pedro, o Pateta como gaúcho e finalmente, a parte mais importante, quando Donald aparece no Rio de Janeiro e se encontra com Joe Carioca (Zé Carioca) em sua primeira e quase única aparição no cinema. Disney amou a canção, verdadeiro hino, “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso, que fez questão de incluir no desenho, na voz de Aloysio de Oliveira. A malandrice de Zé Carioca surge desde o primeiro instante, causando certa perplexidade no pato. No fim uma obra singular e deveras atraente, que não pode ser qualificada como documentário mas talvez como filme de variedades.

Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2014, texto completado em 2 de maio de 2017.

INFORMAÇÃO TÉCNICA

“Saludos, amigos” (Alô, amigos) – Estúdios de Walt Disney, Estados Unidos, 1942. Distribuição Buena Vista. Produção executiva: Walt Disney. Supervisão de produção: Norman Ferguson. Direção musical: Charles Wolcott. Supervisão artística: Mary Blair, Lee Blair, Herb Ryman, Jim Bodrero e Jack Miller. Pesquisa: Ted Sears, William Cottrell e Webb Smith. Direção: Bill Roberts, Jack Kinney, Ham Luske (obs. Hamilton Luske, como mais tarde iria assinar) e Wilfred Jackson. Animação: Fred Moore, Ward Kimball, Milt Kahl, Milt Neil, Wooly Reitherman (obs. Wolfgang Reitherman – mesmo caso), Bill Tytla, Les Clark, Bill Justice, John Sibley, Hugh Fraser, Paul Allen, John Mc Manus, Andrew Eneman, Dan Mac Manus e Josh Meador (obs. Joshua Meador – mesmo caso).
Múcisa: Ed Plumb e Paul Smith. História: Homer Brightman, Ralph Wright, Roy Williams, Harry Reeves, Dick Huemer e Joe Grant. Letra da canção-tema “Saludos amigos”: Ned Washington. Melodia: Charles Wolcott. Narração: Fred Shields (obs. Aloysio Oliveira na versão em português, durante muitos anos ele gravou essas versões para o Brasil). Canção “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso, cantada por Aloysio de Oliveira. “Tico-tico no fubá” de Zequinha de Abreu. “Escravos de Jó”, domínio público. Voz de Zé carioca: José Oliveira. Voz do Pato Donald: Clarence Nash.
Curiosidade: o próprio Walt Disney aparece em cena muitas vezes, além dos membros de sua equipe que viajaram pela América do Sul colhendo material para este desenho e o seguinte “Os três cavaleiros”.