A curiosa fantasia histórica em "Anastasia"

A CURIOSA FANTASIA HISTÓRICA EM “ANASTASIA”
Miguel Carqueija


Resenha de “Anastasia” (EUA, Fox Animation Studio, 1997), desenho animado de longa-metragem. Produção e direção: Don Bluth e Gary Goldman. Roteiro: Susan Gauthier, Bruce Graham, Bob Tzudiker, Noni White e Eric Tuchman. Elenco de vozes: Meg Ryan (Anastasia), John Cusak (Dimitri), Kelsey Grammer (Vladimir), Christopher Lloyd (Grigori Rasputin), Hank Azaria (Bartoj), Angela Lansbury (Maria Feodoronova), Bernadette Peters (Sophia) e Hirsten Dunst (Anastasia em criança).

Até que ponto é lícito deformar a História, mesmo num argumento fantasioso? Ou desvirtuar um personagem que realmente existiu? Rasputin é uma figura controvertida na história da Rússia, mas será que merece o que fizeram com ele nesse desenho?
Em resumo após o assassinato da família do Czar Nicolau II por bolchevistas, tempos após a Revolução de 1917, especulou-se durante muitos anos sobre a menina Anastasia, correndo lendas de que ela teria escapado e estaria viva. Não faltou quem dissesse ser a verdadeira Anastasia.
Este desenho brinca com a ideia da sobrevivência de Anastasia e toma algumas liberdades com a História, colocando a Revolução Russa um ano antes, ou seja em 1916, e dando-a como provocada por uma feitiçaria de Rasputin, um monge ou mago que frequentava a corte do tzar. Para criar o argumento do drama o desenho estabelece que Rasputin, por razões não explicadas, teria sido expulso da corte e, inconformado, jurou de morte a família Romanov; em consequência vendeu a alma afim de obter os poderes necessários e pronunciar a maldição que causou a revolução comunista.
Esse argumento meio indigesto é a base de toda a história.
Não falta, é certo, charme e encanto á animação. Muito bem feita técnica e esteticamente, atiça também a imaginação ao mexer com a lenda urbana de Anastasia; e a protagonista é muito bem caracterizada. De fato a narrativa chega a comover com a canção “One upon a december”, de Liz Callaway, que fala no encontro em Paris, que a Princesa Maria Feodorovna marcara com sua neta Anastasia, encontro que a revolução frustrou. E fica-se com pena porque na vida real uma verdadeira Anastasia não reapareceu (recentes investigações parecem confirmar que ela realmente morreu no massacre).
Há números musicais importunos, como o descabido “A rumor in St. Petersburg”.
Por outro lado a figura de Rasputin, o antagonista, dá um certo charme ao desenho, embora o morcego albino e falante, como seu familiar, seja muito forçado. De fato, no universo ficcional deste filme animais não falam, por que esse morcego fala? Só por feitiçaria? Mas isto não é explicado. Também não entendi porque Rasputin, obsecado em destruir toda a linhagem Romanov, esqueceu a avó de Anastasia.
Na vida real Rasputin deixou uma filha que, anos depois, ganhava a vida como domadora de animais. Rasputin morreu assassinado por um membro da família real russa em 1916, e a revolução socialista só veio em 1917. O desenho omite qualquer referência à Primeira Guerra Mundial e apresenta a Rússia de 1916 numa “belle époque” muito francesa.
Como filme é razoável e divertido.

Rio de Janeiro, 16 a 31 de agosto de 2014.