Os 50 anos do grandioso "Playtime"

OS 50 ANOS DO GRANDIOSO “PLAYTIME”
Miguel Carqueija



Jacques Tati é um dos nomes mais significativos da história do cinema. Em seu tempo talvez tenha sido o mais genial cineasta francês. Sua grande criação, Monsieur Hulot, tornou-se imortal. Entretanto Hulot é um personagem quase invisível: fala ainda menos que Mister Bean, é esquivo e discreto. Não é muito mais do que um observador do mundo louco à sua volta.
Além disso, apareceu muito pouco. Tati dirigiu “As férias de Monsieur Hulot” em 1952 e “Meu tio” em 1958. Foram precisos nove anos para que Hulot tornasse a aparecer, nesta genial fita “Playtime” (Tempo de diversão), que ora completa cinquenta anos.
“Playtime” é puro cinema de arte, uma delícia visual quase inacreditável. Um filme tão revolucionário quanto “Branca de Neve e os sete anões” de Walt Disney ou “Cidadão Kane” de Orson Welles.
Aparentemente a intenção de Tati é ir mostrando o caráter meio insano da sociedade moderna numa cidade trepidante como Paris. Seguimos os passos esquivos de Hulot, com sua elevada estatura (1,91, o próprio Tati), seu sobretudo, chapéu, cachimbo e guarda-chuva, por uma Paris repleta de luzes e movimento: primeiro no imenso prédio de uma grande empresa especializada em tecnologias de ponta (e não conseguimos saber ao certo o que ele foi fazer lá), depois pelas ruas parisienses, no ônibus e já de noite, na casa de um amigo, numa lanchonete e num restaurante e boate. Em “Playtime” tudo faz barulho, qualquer coisa em que os personagens mexam, e a parte acústica do filme também é importante.
Hulot é um desastre ambulante, por mais que o estilo de Tati se afaste da comédia-pastelão. Veja-se a cena em que Hulot, acompanhando um amigo do tempo do exército que o chamara para a boate, atrapalha-se tentando abrir a porta de vidro. De alguma forma, ao remexer na maçaneta, ele trincou o vidro, que desabou numa inesperada chuva de pedacinhos.
A cena, porém, nem sempre acompanha Hulot. Há algumas turistas visitando Paris, com destaque para Barbara (Barbara Dennek), uma jovem vistosa; ela e Hulot acabam se encontrando e fazendo efêmera amizade. Também é mostrada a confusa inauguração de um restaurante, com diversos quiproquós ironicamente acompanhados.
Infelizmente o grande público é condicionado a gostar de filmes violentos e de malhação, ou comédias reles, de modo que “Playtime” requer um gosto mais apurado. É um dos raros filmes perfeitos.

Direção: Jacques Tati. Diálogos: Art Buchwald. Cenários: Jacques Tati e Jacques Laglange. Produção: Bernard Maurice. Fotografia: Jean Badel. Música: Frances Lemarque. Cameraman: Paul Rodier.