Stalker
 
Não cheguei a este filme por acaso. Se assim tivesse acontecido não passava dos primeiros quinze minutos. O ambiente do quarto que se pode ver na primeira cena é tão opressivo, as cores tão sombrias, as personagens tão desesperadas que dá vontade de fugir, desistir e passar a outro filme mais fácil. Porque este é difícil. Stalker de Andrei Tarkosky, filmado na Rússia em 1979.
Stalker faz parte de um livro de crónicas sobre cinema de Pedro Mexia, por isso vinha bem recomendado. Mexia escreve a crónica Zona como quem pega numa laranja engelhada e lhe espreme o sumo, retirando do fruto a sua essência. De maneira que se querem ler um resumo do filme que é melhor que o mesmo comprem o Cinemateca.
A maior parte dos filmes são como bolas de sabão. Duram uns minutos mais que as bolas de sabão mas acabam do mesmo modo, num segundo, e não deixam recordações.
Este filme é o oposto. É melhor depois de acabar. Porque depois acaba o sofrimento das imagens e ficam as memórias, as reflexões, as perguntas.
Stalker é um homem. Mas será um homem? A mulher no fim do filme diz que ele não é deste mundo. Ele, numa das cenas finais, diz não entender as pessoas. “Estas pessoas, estas pessoas”, lamenta-se exausto e desaustinado, deitado na cama onde a mulher o tenta acalmar, “não percebem nada, não sentem nada”... Diz num desespero que mantém ao longo da história. Será um extra-terrestre, um anjo, um louco? Um pouco de cada coisa?
Ele ganha a vida como guia. Levando as pessoas à Zona. A Zona é um sítio proibido, um mistério, o mistério central do filme.
Vão com ele, no início, um Professor e um Escritor. O Professor, pragmático e ambicioso vai à procura da fama, diz o Escritor. O Escritor, cínico e desiludido vai à procura de inspiração. E pelo caminho discutem um com o outro. Os actores conversam a um ritmo tão real que parece que alguém filmou às escondidas três pessoas a falar e não actores que têm como missão entreter espectadores que pagaram o seu bilhete. A intensidade dos olhares daqueles homens impressiona.
Stalker é o único que conhece a Zona, os seus perigos, as suas armadilhas, os truques para lhe sobreviver. E no entanto é o único que tem medo. Está apavorado e tenta sempre que um dos outros vá à frente. O medo dos dois homens que seguem o Stalker é controlado, por vezes é substituído por desafio. Mas nunca nada acontece apesar dos avisos desesperados do guia.
O Escritor e o Professor vão atraídos pelas promessas da Zona, onde os desejos se concretizam e no entanto pouco acreditam. Pouco ou mesmo nada.
Eles caminham, caminham, descansam, dormem, caminham, atravessam túneis infindáveis, guerreiam-se, descansam e voltam ao café de onde partem.
Os dois não crentes saem mais serenos, parecem mais fortes. O Stalker vem mais crente mais fragilizado.
Se a Zona é um santuário do divino, um local onde a fé reina que mensagem é esta que o realizador tenta passar? Da fé receberás a paixão mas nenhuma recompensa?
Mexia acaba a crónica com uma frase que parece resumir a moral da história: “ Pode ser um poema à crença, que nos garante que esperança e desesperança são duas formas de espera, e que para ambas há uma resposta.”
Não vejo resposta nenhuma no filme. Só vejo perguntas. Creio que Tarkovsky conseguiu o impossível: ser mais pessimista que Pedro Mexia.
Stalker no final é o homem mais derrotado dos três que entraram na Zona. O mais infeliz, e a esperança de que fala a sua esposa enquanto ele agoniza na cama é qualquer coisa muito próxima da angústia.
Na cena final, a filha, uma mutante, entrevada, faz mover copos em cima de uma mesa com a força da mente. Será isso a esperança? Servirá para algo mais que partir copos?
Mas uma pergunta pode ser mais importante que muitas respostas.
 
 
 
 


 
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 21/11/2016
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