O sensacional faroeste da Rita Pavone

O SENSACIONAL FAROESTE DA RITA PAVONE
Miguel Carqueija



“Na noite em que brilhar no céu uma estrela vermelha você voltará ao nada de onde veio. Você é um conto de fadas, Pequena Rita; é uma bela lenda. Você não pode ser destruída.”
(Bisonte Seduto)

“E ele a seguiu noite após dia, dia após noite, como o sol segue a lua, como a luz segue a escuridão, como a morte segue a vida. Porque o importante em tudo é seguir sempre alguma coisa, mas com amor, sim, com amor.”
(Grotz)

Resenha do filme “Little Rita nel West” (A Pequena Rita no Oeste), exibida nos cinemas brasileiros como “Rita no Oeste” e posteriormente lançado em vídeo (VHS) como “A rainha do gatilho”, depois em DVD como “Os pistoleiros do Oeste” e finalmente, também em DVD, como “Rita no Oeste”.
Itália, 1967. Produção: Manolo Bolognini. Direção: Ferdinando Baldi. Roteiro: Ferdinando Baldi e Franco Rossetti. Música: Robby Poitenin. Fotografia: Enzo Barboni.
Elenco:
Rita Pavone......................................Little Rita
Terence Hill......................................Black Star
Lucio Dalla........................................Francis Fitzgerald Grotz
Teddy Reno.......................................Xerife Ted
Nina Larker........................................Pássaro das Nuvens
Kirk Morris.........................................Ringo
Lucio Rosato (Luc Rosat)....................Django
Fernando Sancho...............................Sancho
Gordon Mitchell.................................Bisonte Seduto (Touro Sentado)
Pinucio Ardia......................................Barman

CANÇÕES

Little Rita (Gigli/Musi) – Rita Pavone
Ma che te ne fai (Cassia/Ireson) – Rita Pavone
Tu sei come (Gigli/Musi) – Rita Pavone
Per un colpo di pistola (Gigli/Musi) – Rita Pavone
Rita sei tutti noi (Gigli/Musi/Gigli) – Rita Pavone e Teddy Reno
Uno seriffo che si rispetti (Cassia/Ciceroni/Scartecci) – Teddy Reno
Piruliruli (Levi/Reverberi/Dalla) – Rita Pavone e Lucio Dalla

Gravações RCA – nas versões brasileiras em DVD estão cortadas as canções e respectivas cenas, “Per un colpo di pistola” e “Uno seriffo che si rispetti”, o que é lamentável.

Nos anos 60 estavam muito em voga os chamados “spaguetti-westerns”, ou seja, filmes de faroeste produzidos na Itália e com personagens barbados, desmazelados. Surgiram assim algumas figuras de pistoleiros, como Ringo e Django.
Em 1967 o talento da graciosa e carismática Rita Pavone, então mal chegada à maioridade, foi capitalizado neste “western” em tudo e por tudo diferente. Além de ser humorístico (uma sátira ao faroeste italiano) é também musical e coreográfico. Vai, porém, ainda além, penetrando claramente no terreno da fantasia.
A personagem central, Little Rita, é uma pistoleira misteriosa que circula pelo Oeste norte-americano confiscando o ouro que bandidos haviam roubado. Uma aliança com o cacique Bisonte Seduto (nada menos que o célebre Touro Sentado) garante a Little Rita uma caverna onde o ouro coletado é posto, para no fim ser explodido, soterrado na montanha. Depois de um último encontro, com Cassidy (aparentemente Butch Cassidy) resta a Rita confiscar o ouro de Ringo e Django, dois terríveis pistoleiros.
O ideal que motiva Rita — exposto na canção “Ma che te ne fai” — baseia-se no argumento de que o ouro é a causa dos males sobre a Terra, por ele os homens roubam, odeiam e matam.
É verdade que Touro Sentado, que a apoia (e com ela toda a tribo), pondera: “Já pensou, Pequena Rita, que depois de você outros homens escavarão mais ouro e o reino do mal voltará?” Rita porém não se deixa perturbar, respondendo que destruir esse ouro seria tarefa de quem viesse depois dela — quem pensasse como ela.
Mas o fato — conhecido pelo chefe indígena — de que Rita não é uma pessoa deste mundo (nas palavras dele ela é uma lenda) e nele só ficará até brilhar no céu uma estrela vermelha — confere à protagonista uma aura sobrenatural. Há diversos filmes que mostram essas pessoas misteriosas, que “vieram do nada e voltam para o nada”. Assim a personagem-título de “Mary Poppins” (1964) ou a Hayley Stark de “Hard candy” (2005) — aliás três obras-primas porém muito diferentes entre si.
“Little Rita nel West”, além das canções sensacionais da trilha sonora, em sua maioria na voz tonitruante de Rita Pavone (um metro e meio de altura), mostra cenas notáveis, como a extravagante coreografia dos índios ou o número das dançarinas do “saloon”. O duelo de Rita com Ringo é engraçadíssimo, bem como a neurastenia e covardia do xerife, que deixa fazerem o que quiserem da cidade.
Um personagem que se destaca é Francis Grotz, vivido pelo cantor Lucio Dalla: um sujeito sem passado conhecido (a não ser as referências à própria mãe) e que, ajudando acidentalmente Little Rita, passa a acompanhá-la. Ele também é um tipo muito engraçado.
Terence Hill interpreta Black Star, um dúbio pistoleiro mas que tem o seu charme a ponto de despertar o amor em Little Rita — amor impossível, porque ela não é deste mundo. Por isso mesmo, quando no fim Rita e seu cavalo surgem indo embora pelo céu... Black Star com sua montaria vai atrás, numa metáfora da força do amor.
A lamentar a maneira como esta fita foi divulgada no Brasil. Legendas cheias de erros, por exemplo. Neste último DVD, em várias passagens percebe-se que o que os personagens falam em italiano não equivale nem um pouco ao que se lê nos letreiros. Um absurdo.
Além disso o corte abrupto das cenas dá a entender que passagens foram omitidas. Neste DVD (o segundo editado no Brasil) falta uma cena que pude ver no cinema: Rita cantando “Per un colpo di pistola” enquanto Django agoniza. E uma cena que, penso, nunca assisti, e que parece ter sido cortada em todas as versões brasileiras, é o número solo de Teddy Reno (conhecido cantor, ator e empresário artístico, ele e Rita se casaram em 1968) atrás mencionado. Eu até conheço a canção, mas só pude ouvi-la em fita K-7.
Quanto a Rita Pavone, a sua presença é carismática, magnética, magnífica. Dona de uma simpatia contagiante e um rosto inconfundivelmente gracioso, uma voz fortíssima, grande dote coreográfico-acrobático, ela é a vida, a alma do filme. Ainda que Ferdinando Baldi tenha dirigido dezenas de películas em pelo menos 36 anos de carreira, é pouco provável que tenha outro título de qualidade semelhante, pois Rita Pavone, como atriz e cantora, valoriza qualquer obra. A lamentar que o cinema não a tenha aproveitado muito.
CENAS ANTOLÓGICAS E CURIOSIDADES

Nina Larker, atriz muito jovem e graciosa, porém bissexta (só constam dois filmes conforme IMDB) interpreta Pássaro das Nuvens, a filha de Touro Sentado. Ao longo do filme é uma presença doce, amável e simpática. Mais para o final ela e Grotz iniciam um discreto namoro.
Ringo e Django são pistoleiros fictícios tornados célebres nos “westerns” italianos. Em “Rita no Oeste” surpreendentemente eles morrem pelas mãos de Little Rita.
Jesse James, conhecido bandido do Velho Oeste, é morto por Rita logo no início do filme (numa das versões... em outra legendagem seria Cassidy).
O xerife Ted é vivido por Teddy Reno, importante cantor, ator e empresário italiano, que casou com Rita um ano após essa filmagem. Ele, aliás, foi quem lançou Rita profissionalmente, em 1962.
Gordon Mitchell está hilário no papel de Bisonte Seduto. Quando do julgamento de Black Star, preso pelos índios ao tentar roubar o ouro da caverna, Touro Sentado, segurando uma caveira e parafraseando Hamlet, observa: “Matar ou não matar: eis a questão”.
Outra sátira genial é a de Django: mortalmente baleado por Rita, pede a ela que ouça a história de sua vida. Rita alega não ter tempo, mas ele insiste: “Espere! Os índios e os japoneses morrem depressa, mas eu sou um famoso pistoleiro e tenho direito a dois minutos de lenta agonia antes de exalar o meu último suspiro.” E estendido no chão de face para cima (como num divã de psicanalista) dá início a uma narração freudiana: “Quando eu era garoto, odiava meu pai e adorava minha mãe”.
No duelo entre Rita e Ringo, por várias vezes as balas se entrechocam.

Rio de Janeiro, 8 a 16 de outubro de 2016.