RESENHA CRÍTICA DO DOCUMENTÁRIO “ALIVE INSIDE” (Vivos por Dentro) – 2014

“A música pode ligar as pessoas com o que elas foram; com quem elas são e suas vidas. Porque, quando ficamos velhos, todas as coisas familiares e a nossa identidade são arrancadas de nós.” Dan Cohen

Os documentários têm um poder incrível para transformar nossas vidas quando nos coloca frente a frente com histórias verídicas, simples e lindas, fazendo-nos refletir, tomar consciência e até mudar nossas atitudes e ideias. Ao assistir o documentário ALIVE INSIDE, passei por esta experiência.

É importante salientar que minhas memórias também foram despertadas ao acompanhar a história dos idosos que participaram do documentário. Como minha mãe sofreu com a falta de memória nos últimos anos da vida dela devido à hidrocefalia e passou a residir em um lar de idosos, o documentário me fez pensar muito nela e naqueles tempos em que nos reuníamos na varanda da casa de minha infância para ouvir minha mãe cantar serenatas de amor e músicas do tempo em que ela era moça faceira e cheia de vida. Lembrei o que fizemos com ela nos últimos dois anos, quando ela estava triste com a doença e sem esperanças de melhora. Nós a fazíamos cantar para ouvi-la novamente a fim de que ela pudesse esquecer o mal que a afligia. Estes momentos foram gravados em vídeos e agora podemos nos recordar dela sempre que quisermos e também comprovar o quanto a música pode fazer bem à memória e à história de alguém.

O documentário ALIVE INSIDE não trouxe apenas minhas memórias afetivas, mas também me tocou profundamente. O título em português seria algo como “Vivo por Dentro”, significando que, mesmo presos em algum tipo de doença mental, nossas mentes guardam um lugar especial para nossas melhores memórias e basta um toque para que desperte. Neste caso, a música passou a ser o resgaste de lembranças escondidas em algum lugar no tempo e no espaço. Acreditar que alguém (cuja saúde mental está ameaçada pelo Alzheimer ou pela demência) tem a capacidade de resgatar suas memórias de trechos felizes da sua vida foi o maior desafio de Dan Cohen e que o cineasta Bennett conseguiu ver e registrar diante das suas câmeras. O documentário atingiu o objetivo de revitalizar pessoas cujas vidas estavam fadadas à escuridão dos dias sem memória.

ALIVE INSIDE é um documentário de 2014, produzido por Michael Rossato-Bennett que, ao acompanhar Dan Cohen - fundador da organização, sem fins lucrativos, Música e Memória - comprovou os grandes efeitos da música na vida das pessoas cujas memórias estavam desaparecendo devido ao Mal de Alzheimer e à demência.

A memória sempre será nossa arma contra o esquecimento. A vida não teria história se nossas memórias não fossem resgatadas o tempo inteiro pelos nossos sentidos: visão, olfato, audição e tato. A música, experiência sentida pelos ouvidos e refletida no corpo e na alma, pode despertar nosso recordar - no real significado desta palavra: re (passar de novo) + cordare (pelo coração). Sim, recordar significa “passar de novo pelo coração tudo o que nós experenciamos”.

O documentário é sobre esse poder transformador da música na vida de pessoas já quase sem memória, vítimas do Alzheimer ou da demência. A música com o objetivo de combater a perda de memória e restaurar em cada pessoa que sofre com o esquecimento um sentimento profundo de si mesmo. Impossível separar a música das emoções. Porque a música não é apenas um estímulo fisiológico, mas um ativador de memórias e emoções que cada nota musical pode trazer àquele que a ouve.

Dan Cohen é um assistente social e voluntário em casas de repouso. Ele pediu para Bennett filmar suas idas aos lares de idosos, pois queria que todos pudessem ver como as pessoas com demência reagiam ao ouvir suas músicas preferidas. Neste caso, o remédio estava longe das drogarias e grandes laboratórios. A música foi o elo entre a velhice, a doença e a história de cada um. Foi o vínculo que permaneceu e que cumpriu a tarefa de resgatar o que estava fadado ao esquecimento.

A tarefa de Cohen não foi fácil, pois dependia de outros que acreditassem, como ele, que a música pudesse resgatar memórias, portanto vidas. Para isso, os medicamentos não teriam o primeiro e único lugar e as pessoas não seriam máquinas condenadas ao fato de um dia parar de funcionar. O ser humano estaria em primeiro lugar sempre. Cohen lutou contra um sistema que tratava os idosos como seres inúteis e desnecessários, como máquinas com hora marcada para serem desligadas. Lutou contra o interesse de pessoas que acreditavam que as drogas estavam acima da vida, principalmente daquelas pessoas cuja história estava guardada em algum lugar dentro de seus cérebros.

Rossato-Bennett, junto com Cohen, visitou famílias e instituições que tinham testemunhado os efeitos miraculosos da música personalizada (a que leva em consideração a história da pessoa). Presenciou o quão é importante ver as pessoas em todas as fases da sua existência como seres capazes e com história, principalmente os idosos cujo cuidado com a própria vida, a liberdade e a independência que tinham passou para as mãos de terceiros.

No mundo inteiro, a cada década, o número de idosos aumenta drasticamente. Portanto, daqui a alguns anos, as sociedades terão mais anciãos do que jovens, sendo esta uma problemática que merece ênfase e cuidados. A velhice, na sociedade hoje em dia, não possui um lugar especial. As pessoas desejam adiar ardentemente esse momento da vida e glorificam a juventude, a saúde e a energia dos que podem produzir alguma coisa útil (os comerciais de cosméticos estão aí para comprovar tal afirmação). Valorizam muito as tecnologias e as máquinas. Aqueles que não sabem lidar com elas são tidos como inúteis, ficando para trás ou guardados e escondidos dentro dos lares de repouso. A maioria reduz uma pessoa a seu diagnóstico ou deficiência, colocando-a em “primeiro lugar como doente, e só depois como um ser humano”.

Dan Cohen não teve, inicialmente, apoio para o seu projeto, pois a maioria acreditava que o tratamento com remédios era algo mais fácil, porque o paciente era visto como algo que poderia sofrer “ajustes com dosagens medicamentosas”. Como a música poderia substituir a medicação tão importante para a manutenção dos pacientes “em seus mundos sem memória e, portanto, sem história”? Difícil convencer, mais difícil ainda foi mudar paradigmas, preconceitos, lutar contra interesses próprios e a ambição de muitos. “Soco em ponta de faca”, como diria a minha mãe se estive aqui.

Para convencer, Cohen percorreu o “caminho das pedras”, por isso pediu a ajuda do cineasta Michael Rossato-Bennett e de pessoas nada menos importantes como o neurologista Oliver Sacks e o músico Bobby McFerrin. O registro da experiência da música com os idosos das casas de repouso fez o documentário receber o prêmio Sundance Film Festival no mesmo ano de seu lançamento, em 2014.

Estar vivo por dentro significa ter vida do lado de fora. Descobrir isso em pessoas com o Mal de Alzheimer ou com demência através da música foi a melhor descoberta de todas. A música resgatou pessoas que não tinham nada para contar, que estavam no vazio de suas memórias, que tinham perdido suas histórias em algum lugar no tempo. Pessoas apagadas da sociedade, isoladas em seus mundos e em casas de repouso. Felizes são aqueles que acreditam em outra forma de ver as pessoas, pois não se conformam com o simples fato de que o ser humano deixa de ser alguém quando envelhece. Esquecer passou a ser um detalhe sem importância quando estes idosos foram tocados pela música.

“Que ao ouvir uma canção, nós não esqueçamos jamais das boas sensações proporcionadas, que a música invada nossos corações e almas e nos faça reviver sempre que preciso for”.

Fontes de pesquisa sobre o documentário:

http://www.reab.me/alive-inside-um-documentario-imperdivel-sobre-musica-e-memoria/

http://cinemacao.com/2014/08/04/documentario-alive-inside-mostra-cura-para-pacientes-com-alzheimer-e-e-fenomenal/

http://docverdade.blogspot.com.br/2015/04/vivo-por-dentro-alive-inside-2014.html

https://youtu.be/I7GF7_xyeH8