Drummond: um coração menor que o mundo

A crítica social presente em Carlos Drummond de Andrade é bastante conhecida por sua aspereza e secura. Ela se torna ainda mais contundente após 1940, quando a II Guerra Mundial está em seu auge. É nesse mesmo ano que é lançado seu livro Sentimento do mundo, em que temos um poeta que deixa para trás a ideia de seu coração ser maior que o mundo e se mostra desiludido, extremamente materialista, preocupado com as questões sociais e com o rumo que a humanidade está trilhando.

Em Alguma poesia, sua primeira obra, publicada em 1930, Drummond se apresenta como um herdeiro direto da 1ª fase do Modernismo. Estão presentes o poema-piada, os termos coloquiais e a liberdade sintática, principais características adotadas pelos artistas da Semana de Arte Moderna. No entanto, já uma profunda preocupação com o eu se evidencia, com “Poema de sete faces” abrindo a obra. Uma angústia perante o mundo é apresentada, além do caráter observador, que permeará toda sua obra, do poeta que está “atrás dos óculos e do bigode”.

Ainda em sua primeira obra, o poeta mineiro encara seu mundo interior como maior que o exterior: “Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração”, como diz ainda em “Poema de sete faces”. A individualidade, portanto, é dominante nesta sua fase criativa, a qual também abarca Brejo das almas (1934). Sua posição crítica para com a sociedade é interiorizada, preocupa-se com a emoção despertada no eu-lírico perante a injustiça e a monotonia da vida moderna.

Em Sentimento do mundo, publicado no decorrer da II Guerra Mundial, temos a abertura de um novo ciclo em sua poética. Nesta fase da escrita drummondiana, que abarca também José (1942) e A rosa do povo (1945), vê-se um poeta voltado ao coletivo, claramente afetado com as mazelas das duas Grandes Guerras e com a desilusão com os ideais não cumpridos do mundo moderno. É na obra de 1940 que está “Mãos dadas”, poema em que o poeta

expõe sua ruptura aos ideais e estéticas de outrora e diz não querer ser “o poeta de um mundo caduco”, além de alertar a necessidade de nos unirmos para nos salvarmos da destruição, em uma época de tão profunda desunião.

O título Sentimento do mundo já é bastante sugestivo. O poema “Congresso internacional do medo” expressa como este sentimento negativo era sentido por todas as pessoas em uníssono silêncio: “Provisoriamente não cantaremos o amor, / que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. / Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, / não cantaremos o ódio porque esse não existe, / existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro (...)”. O sentimento do mundo era o medo, não mais o amor ou a esperança. Toda esta obra é marcada por uma melancolia coletiva, que não vê saída de onde todos se aprisionaram. “Os ombros suportam o mundo” vai além e diz: “(...) o amor resultou inútil” e ninguém mais se atreve a clamar por Deus.

Nesta fase “eu menor que o mundo”, chegamos a A rosa do povo. Publicado ao fim da II Guerra Mundial, continuamos com o Drummond coletivista, que, agora, vislumbra uma saída do desespero. Nele está “A flor e a náusea”. O autor, os homens e as mulheres estão cercados por “muros surdos”, mas uma flor, mesmo que feia e tímida, nasce quase imperceptível do asfalto cinza. É a esperança que renasce mais uma vez, e que nos mantém vivos em meio a tanta amargura. A flor que nasce conseguirá vencer a náusea que reinou na primeira metade do século XX.

Drummond é encarado por muitos como o maior poeta brasileiro. Ele foi como uma verdadeira antena que capturou os sentimentos de toda a alma humana e os traduziu em palavras com imensa técnica e sensibilidade. De fato, não foi um poeta de um mundo caduco: a atualidade de seus versos, que tratam de diversos e incontáveis temas, impressiona e emociona o leitor dos dias atuais. Ainda hoje, é necessário estarmos de mãos dadas para nos desvencilharmos dos grilhões do medo, e somente o amor, mesmo que tantas vezes apareça como uma flor que não se desabrocha, será nossa libertação.