Aborto:o cenário da autonomia da mulher brasileira nos casos de interrupção da gestação/ análise crítica.

Para começo de conversa, não há Estado que tenha o direito de legislar sobre o uso que uma mulher faz do próprio corpo.

A política brasileira tem sido periodicamente chantageada pela questão do aborto, tal chantagem demonstra a força de certos grupos religiosos na determinação do ordenamento jurídico brasileiro, o que evidencia como a separação entre a Igreja e Estado está longe de ser uma realidade efetiva entre nós. Somos sempre compelidos a ouvir afirmações envergonhadas do tipo:" Eu, particularmente,sou contra, afinal,como alguém pode ser a favor do aborto? Mas esta é uma questão de saúde pública, devemos analisá-la de maneira desapaixonada." Talvez tenha chegado o momento de dizermos: sim, somos absolutamente a favor do aborto. Há aqui uma razão essencial: não há Estado que tenha o direito de legislar sobre o uso que uma mulher deve fazer de seu próprio corpo. É um tanto esquisito ver algumas peculiaridades brasileiras, por exemplo, o Brasil deve ser um dos poucos países onde os autoproclamados liberais e defensores da liberdade do indivíduo acham normal que o Estado se arrogue o direito de intervir em questões vinculadas à maneira como uma mulher dispõe de seu corpo.

Uma vida em potencial não pode,em hipótese alguma, ser equiparada juridicamente a uma vida em ato. Um embrião do tamanho de um grão, sem autonomia alguma, parasita das funções vitais do corpo que o hospeda e sem a menor atividade cerebral não pode ser equiparado a um indivíduo dotado de autonomia das suas funções vitais e atividade cerebral.

O que mais me preocupa é ver que jovens reproduzem acriticamente o pensamento moralizante e sexista vigente. Quando a sociedade diz que aquela mulher não pode abortar, é a mesma coisa de dizer que a responsabilidade do filho é apenas dela. Os homens são absolvidos automaticamente, como se sequer existissem na questão. E sabe por quê? É tão simples e tacanho que nem deveria ser explicado. Para essas pessoas, gravidez é punição por fazer sexo. Teve prazer? Foi bom? Então agora você terá o seu "pagamento". Como o sexo é permitido nos homens e condenado nas mulheres, se você o faz, você é automaticamente obrigada a arcar com as "broncas" e as "consequências".

Sexo por prazer é crime onde apenas a mulher é punida, ora com xingamentos, ora com morte. E não é só no contexto do aborto, em diversos contextos essa lógica é reproduzida. Liberdade sobre nossos corpos e liberdade sexual e reprodutiva são coisas que nenhuma mente fechada vai aceitar, pois não existe mais nada que desestabilize uma estrutura opressora da sociedade do que cidadãos que exercem sua autonomia. Quando falo de sexo, aborto e corpo, não estou falando de uma frescura, tampouco de uma luta menor. Estou falando de revolução, de libertação, estou falando de uma transformação profunda na sociedade. E é por isso que forças conservadoras combatem com tanta violência quando esses temas são colocados em pauta.

Anita Maria
Enviado por Anita Maria em 18/10/2017
Reeditado em 13/11/2017
Código do texto: T6146473
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