Equinócio

“Vai-te ao longo da costa discorrendo,

e outra terra acharás de mais verdade,

lá quase junto donde o Sol ardendo

iguala o dia e noite em quantidade”.

(Luís de Camões, Os lusíadas).

Eram tão diferentes, mas ainda assim os momentos foram habilmente repartidos de uma forma igual. Para um, o puro deleite intelectual, para outro o mais puro gozo da alma.

Desde então as noites fizeram-se iguais num templo especial chamado descoberta.

E foi assim que partes de mim vagavam a mercê dos acontecimentos na ocasião dos ventos, num outono onde nada mais era importante, onde a pele já não sentia o açoitar da brisa forte nem mesmo os murmúrios do presente a farfalhar no tempo.

Havia um zumbido sumindo na distância levando ao mistério o que antes sinalizava das estrelas o belo cintilar da felicidade.

Entraste tal qual raio de sol pela fresta da janela entreaberta, ofuscando a vida num momento que insistia em rebater contra as correntes do ar.

Eras sol no meu outono, quando de igual modo eu alegrava timidamente os teus caminhos, que, agora já floridos, fizeram-se sutis na primavera.

Soprou-me a brisa e com ela novos aromas.

Uma flor tropical, desde então, invade tua paisagem, veste-se de uma pele sensível que queima sob teus raios e que encanta teu olhar num sorriso, mesmo que preso na distância.

Teu calor, de longe, aquece-me o olhar antes perdido, ainda que caiam as folhas indolentes e indiferentes, conservam o verde refletindo em tua luz.

Cruelmente, por vezes as queimam, elas não recuam e ainda umedecem-te no orvalho e aplacam o fogo que desce de ti.

É assim que de orvalho em orvalho, elas folhas abrigam simplesmente a tua febre.

Flores agora exóticas tremem ao vento é o teu tempo de descortinar o olhar ao azul do céu, espreitando um horizonte onde desenhas o que te faz encantar a alma. Admira-te? Apavorado, pressinto-te!

Como dizia Camões, vais ao longo desta costa, depara-te com a sinceridade, com a transparência, com a simples busca e necessidade de ser feliz, e buscas neste ponto o encontro de ti mesmo, quiçá, oportunidade ímpar de seres feliz.

É este o ato, pois eis que reside no amor o gesto mais puro de perfeição, que é amar o imperfeito. Não és tu que buscas, incessante, a forma singular de doação?

Com uma abundância tal no coração que enternece e faz crer num mundo melhor, ela aceita tacitamente este encontro no momento em que as noites serão absolutamente especiais para o coração de quem ama.

Aprendemos da mentira, do que parecia irreal em nossos mundos a ser a própria verdade vestida de roupas com cores de sonhos e sons de amores.

Somos tão diferentes, e tão complementos, mas num ponto qualquer desta caminhada nos tornou iguais e indispensáveis um ao outro.

Neste ponto um sol iluminou por igual nossos anseios, desde então tudo em nós parecia ser corpo e alma, sol e lua, noite e dia. Nunca mais fomos os mesmos e esquecemos um pouco do que somos sem que isto signifique sonhar ou fugir demasiado, apenas uma forma de estar diferente.

Mas minhas noites sempre e desde então são iguais as tuas. Esta necessidade permanente de ti é como um uivar eterno de um lobo diante de sua lua.

Hoje, como ontem, naquele ponto onde nos encontramos as folhas caem sorrateiras e tomara que de uma forma suave e menos sofrida. Que o vento as transporte de uma forma sutil e amena, planando sobre o solo, acariciando a tudo que encontra pela frente e que se desgastem, finalmente a fazer parte da natureza, sem traumas.

Que o orvalho seja sempre o orvalho e nunca mais as lágrimas de alguém outrora.

Que tuas flores agora lépidas e fagueiras alegrem o inocente e crédulo sorriso, a necessidade premente de enfeitar o viver, que tu cuides e acaricie cada pétala como se tua a pele fosse. “Não faças a outrem o que não farias a ti mesmo...”.

E que em cada cor se encerre o sonho no arco íris de cores que enfeitam as promessas, talvez agora voem neste mesmo tempo no farfalhar das folhas pisadas dos caminhos.

Flores, deleite da alma, sorriso que alegra a noite, que suspiram com o dia, flores que nem sequer sabemos o nome, mas uma em especial mimetiza-se sob o brilho deste sol que, clemente, ilumina o tal ponto harmônico, o elo cúmplice do encontro.

Que neste ponto as mãos se unam, o olhar mais uma vez se cruze, sorrisos irradiem sempre a sinceridade e muito, mais ainda, o mais lindo amor.

Que se instale o sonho, que a realidade se vista dessa magia que flui do oceano que leva as folhas para ti.

Que venham as cores das flores, os aromas de teus ideais, que a casa se erga. E quem sabe em algum lugar um beija flor qualquer já roubou daquela flor uma semente especial e algo especial florescerá neste jardim.

Quem sabe nesta semente brote uma espécie única feita de dualidades que ousaram e que insistem em ser a metade perfeita dos dias apenas para brincarem de existir. Sim, na verdade sequer coexistem num mesmo espaço e num mesmo tempo. Mas não duvides do futuro. E nem de vontades.

As folhas oscilam vacilantes ao vento a tua espera, para depois se misturarem a terra, e do longe não perdem o viço e nem a mania de enfeitar teu amanhecer. Ainda és a melhor alvorada e como tal inexprimível.

Tomara que este ponto se eternize. E que logo quando fores tu o outono e eu a primavera, tenhamos todos este tempo permanecidos juntos a contar aos dias o que escrevemos das horas. Ah se pudesse nunca mais te deixar só para esperar este dia. É o meu sonhar acordada.

Enquanto isso te envolvo numa curva elíptica, onde amanheces a leste no meu dia a despertar-me na alvorada e cerra-me os olhos a embriagar-me de noite.

Eu quero as noites, as mesmas noites que são tuas, enquanto o tempo me agoniza os dias.

Clivânia Teixeira
Enviado por Clivânia Teixeira em 22/09/2017
Código do texto: T6121888
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