Saudade eterna

Eis que o sono profundo chegou e a partir de agora as lembranças serão reflexo do que vivemos juntos. Foram inúmeros os gestos singelos de vossa parte que não terei como esquecê-los. A acolhida após o meu nascimento, os passeios para conhecer os pontos turísticos da nossa cidade, os ensinamentos nas aulas de artesanato, as conversas de cada noite em seu quarto, enfim, diversos gestos nobres que foram suficientes para que o sentimento de amor desabrochasse.

Por tudo serei grato. Destaco, em especial, a gratidão pela confiança que a senhora depositou em mim. De suas experiências, não foram poucas as que a senhora relatara a mim. Em seu quarto, durante a noite, nossas conversas se entrelaçavam com o som da televisão, simplesmente por uma questão estratégica: mudar o assunto, caso alguém se aproximasse do quarto. É claro que o teor das conversas não era tão sigiloso, mas por uma questão de receio acerca da interpretação do assunto, a senhora preferia que o conteúdo fosse de nosso conhecimento apenas, e eu respeitava o seu posicionamento.

Algumas vezes, a voz lhe faltava quando tratávamos de determinados assuntos, mas sua expressão facial se encarregava de dar continuidade à nossa conversa. Tentou várias vezes silenciar o que nunca foi um silêncio. Aguentou a dor. Educou, criou, amou, mas não sei se colheu tudo o que deveria.

Chegaram as doenças e as limitações físicas, então chegou a vez de lhe retribuir todo carinho e dedicação que a senhora teve por mim. Com isso, nossas conversas passaram acontecer no hospital, já não mais com tanta lucidez, mas o diálogo acontecia. E mesmo acamada, a senhora tentava esconder a tristeza. A única coisa que a senhora não conseguia controlar era o sono. Algumas vezes fiquei a conversar sozinho, pois o seu sono chegava sem me avisar. Ao perceber, dava-lhe um beijo na face e aguardava o término da noite e a chegada de outro dia.

O sono chegou mais uma vez sem avisar, mas esse foi profundo. Infelizmente, noites e dias passarão e não sei quando beijarei novamente a sua face. No momento, instaura-se um grande vazio dentro de mim. Como dói...

Descanse em paz, vovó, meu anjo!

Robson Rua
Enviado por Robson Rua em 23/08/2017
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