Um dia na obra

Aquele era um verão bem quente. O Brasil passava por (mais) uma crise. Eu, dez anos, e meu irmão, de nove, iríamos ajudar nosso pai que conseguiu um serviço de carpinteiro em uma obra. Ele era marceneiro, mas sabe como é que é... em época de crise não dá para escolher muito.

Eu gostava muito de jogar futebol no campinho perto de casa com Pedro nas férias. Mas, apesar de, nesse dia, a ajuda que meu pediu frustrar a nossa pelada, fiquei empolgado em conhecer o trabalho de meu amigo Pedro, André.

Eles eram de uma família numerosa. Pedro era o décimo, o caçula, André era o sexto. Naquele ano, André iria se alistar, pois acabara de completar 18 anos. O Exército era a oportunidade de ter um salário fixo. Ele tinha essa esperança, porque a vida que levava fazendo bicos como servente de pedreiro era bem dura e mal remunerada. às vezes, nós o ouvíamos dizer: Algum dia, irei morar em Florianópolis, então minha vida será diferente.

O sol começava a despontar no dia seguinte. meu pai, meu irmão e eu saímos no nosso fusca. No caminho para a obra, observava os pontos de ônibus lotados de gente que ia para o trabalho. As pessoas se comprimiam dentro dos lotações como sardinhas em lata. Certamente, André estava em algum desses veículos.

Começamos o nosso trabalho. Estávamos colocando o assoalho em um dos apartamentos. Lá de cima, víamos André. Ele foi designado para quebrar uma rampa de concreto que foi feita errada e precisava ser demolida para construir outra. Ele trabalhava sob um sol terrível naquele dia.

Por volta das onze horas, chegou o engenheiro, que foi logo cercado por um séquito de pessoas, entre eles o mestre de obras, que até então mandava em tudo por ali. O engenheiro, depois de fiscalizar a obra e distribuir as ordens àqueles que o rodeavam, foi embora antes mesmo do meio-dia.

na hora do almoço, a sirene apitou. Cada um parou o que estava fazendo e foi almoçar. André abriu sua marmita de boia-fria e comeu vorazmente farinha com banana. Meu pai, meu irmão e eu descemos as escadas para irmos a um trailer de cachorro quente. No térreo, André, já com a marmita vazia, dizia: estou estudando para o vestibular de engenharia.

A sirene repetiu o apito, sinalizando o término do horário de almoço. Aquela tarde estava quente demais! Retomamos os nossos afazeres. Do alto do prédio víamos André ora com a marreta, ora com a picareta. Era um serviço bem penoso.

No final da tarde, houve o último toque da sirene que sinalizava o fim da jornada. As pessoas se dirigiam para tomar banho, trocar de roupa e voltar para suas casas. Meu pai decidiu que faríamos isso em casa. Entramos logo no fusca e da janela observava a mesma cena dos pontos de ônibus apinhados de gente. Mas, um pensamento não deixava minha mente: quem come farinha com banana no almoço toma banho com qual sabonete? Então, minha mente passava a imaginar todos os tipos de odores presentes naqueles lotações completamente cheios.

Pedro dizia que seu irmão era muito inteligente. Ele estudava em uma escola pública do bairro, que não estava de férias pois tinha que compensar o período que ficou parada durante a greve dos professores.

Quais eram as chances de André nessa vida dura?