A Visita no Centro de Internação.

Após mais uma noite mal dormida, o despertador tocou. Estava chovendo e a ideia de levantar da cama me fez, evidentemente, odiar o mundo. Pensei em várias histórias para justificar minha ausência nos compromissos matinais. No entanto, lembrei que meu papel naquela manhã, seria atípico e, talvez, fundamental. Alias, sem falsas modéstias, eu tinha certeza que minha participação seria crucial. Não poderia confiar um tema de suma importância, especialmente, para a vida daquelas pessoas, a um bando de incongruentes.

Na reunião que antecedia a visita, minhas estimas foram confirmadas: desorganização e confusão sobre os temas estudados. Aliás, metade havia de fato estudado. Depois de algumas discussões e frases imperiosas, a outra metade, por fim, obteve uma noção - pobre, do que deveria ser tratado na visita ao Centro de Internação Adolescente Masculino (CIAM).

O lugar ficava um pouco afastado da cidade e parecia uma escola. Minha escola também possuía grades, mas, a diferença é que eu não usava algemas. As paredes descascadas estavam cobertas de quadros e desenhos feitos pelos adolescentes internados. Um desenho, em especial, chamou a atenção de todos: um garoto acocorado, chorando, em volto por barras de ferro. Uma sala pequena, repleta de artesanato nos fora apresentada. Porta copo, porta recado, fruteiras, baús. Tudo feito com material reciclado.

As indagações patéticas com teor preconceituoso, inundaram a minha mente, fazendo com que o corredor se alongasse: Como meninos perigosos seriam capazes de fazer coisas bonitas assim? Será que algum deles vai surtar e pular no meu pescoço? Quantos homicidas devem haver aqui? Estamos em seis e eles em oito, se ficarem hostis, com certeza, vão pular no meu pescoço!

Quando entramos, oito garotos aguardavam sentados. Semblantes curiosos, tímidos e até serenos, fitavam o meu. Todos os receios desapareceram e, surpresa, apertei a mão do mais próximo e perguntei seu nome. Luiz Felipe. O nome de um dos meus melhores amigos quando tínhamos a mesma idade que ele: 16.

Posteriormente as apresentações, fizemos o nosso trabalho. Conversamos sobre educação, métodos para concluir o ensino fundamental e ensino médio, cursinho popular preparatório para vestibular, ENEM, PROUNI, SISU, FIES e Pronatec. Muitas perguntas foram feitas, por exemplo, sobre o que era redação, vestibular, quanto ganhava um matemático. O clima de tensão havia se dissipado totalmente. Estávamos interagindo, rindo e, aqueles meninos perigosos de 14 a 17 anos, perderam o adjetivo "perigosos", tornando-se somente meninos.

Em muitos momentos, vi neles a adolescente que já fui: impaciente, confusa, revoltada, infeliz e convencida de que o mundo era meu. O amanhã era impensado, havia somente o ontem e hoje. A necessidade de experimentar qualquer coisa que causasse a sensação de estar viva. A busca desesperada pelo autoconhecimento, a incompreensão da própria existência. Embora eu tenha feito uma escolha diferente da deles, fatores associados a pobreza, doença ou conflito, somados a hormônios aflorados, fazem-nos tomar atitudes erradas.

Fiquei satisfeita por ajudá-los a vislumbrar um novo mundo, e feliz por ter passado a mensagem de que uma nova história poderia ser construída. Todavia, não deixei de alertá-los que encontrariam dificuldades nessa jornada, assim como todos nós. Na despedida, agradeci a oportunidade de conhecê-los. Trocamos abraços e sorrisos afetuosos. O mais alto entre eles, retirou sua pulseira e depositou, timidamente, nas mãos de minha colega, agradecendo a visita.