Estrela da manhã, translúcida

Desatina-se em longos sofreres de nada os dias. De nada se sente, de nada se vê, de nada se fala ou se ouve. E antes que eu pudesse perceber, aquele mesmo silêncio tão significativo já não significava nada mais. As manhãs ensolaradas, 37° C de castigo, congelaram-se em momentos de pouco prazer, de pouco café, de poucas cerimônias, de pouco e tão pouco sorriso nos lábios. As manhãs dos amanhãs prometem pioras: prometem pouco, prometem quase, prometem nada de mais.

Somente ela poderia encontrar um ponto bom nos poucos dizeres e nas poucas expressividades dos seus arredores. Talvez somente ela entre tantos outros pudesse significar algo. E as vagueações e vagueações dos seus arriscares continuaram a procurar uma assimilação para se agarrar, mas nada encontraram, de nada fizeram sentido e nada levaram consigo além de decepções e frivolidades. Ela se comprimiu, sem nada a absorver, a uma densidade de sofreres e dizeres não ditos tão concentrada em sua pequena existência que se tornou um buraco negro passando despercebido entre multidões: fadado a ter seu fim tão cedo, de tão tímida era para poder atrair alguém aos seus domínios.

Eu, que observava, vi muito disso acontecer nesses últimos anos. Eu, que de nada opinava e de nada me permitia valer, permaneci calada para não ter o mesmo fim: as manchetes. Eles levavam tudo isso tão a sério que esqueciam de fazer-se sérios quando o deveriam ser. Preferiram ser reticências subsequentes encerrando assuntos inacabados. Preferiram não ser nada, quando faziam toda a diferença. Ignoraram, pois tomaram nota que, se eram pouco notáveis na curvatura do espaço-tempo, logo de nada valiam.

Mas vamos voltar à ela. Ela era uma daquelas raras vírgulas, que preferiam acrescentar do que dar um fim ou inconclusões. Uma daquelas preciosas estrelas da manhã intangíveis. Pincelada de preto e branco, carregava consigo uma mistura de tons abrasivos nas suas profundezas, porém pouca atenção recebia para tanta energia a qual irradiava. Eu, como observadora, não pude deixar de notar tal energia sendo afagada e acalmada para dentro, como se repudiada mediante a ideia do desperdício. E foi assim que, futuramente, acabou-se: ela, de tudo, tornou-se ao pó, tornou-se nada, tornou-se parte de um todo.

As tardes prosseguem. São isso, são aquilo, são fadadas a ser tal e ponto. Mito. Hão de haver acontecimentos diferentes, o tempo há de passar de forma descompassa, os rascunhos hão de desenvolver-se enquanto o sol ainda não se puser. 37° de castigo e tranquilidade para os que mal precisam sair lá fora para lisonjear-se com tamanha desenvoltura entardecida. Alaranjados ou amarelos, às vezes cinzentos, contudo de nada mais significam: são apenas dias como tantos outros, e somos eu, você e ela como tantos outros. As tardes são tardes, e ponto. Não há vírgulas; não mais.

Talvez ela houvesse percebido isso tarde demais. O tempo é pouco oportuno na vida. Na realidade, o tempo é extremamente preguiçoso e inconveniente. Ela clamava por tempo, para poder realizar suas tarefas e ter tempo para divertir-se com seus amigos, pedia um pouco mais de tempo do que os poucos e o nada que possuía, mas ele de pouco atendia. Chegava atrasado, prolongava-se sem rodeios onde não era necessidade, era péssimo amigo nas horas vagas e passageiro inimigo da diversão. Odiava festas, odiava risos e bem-estar. Todavia, era um ótimo amigo nas tristezas: lhe dava tempo suficiente para seus devaneios extravasarem no silêncio escuro de seu quarto, lhe dava horas a fio para seus choros se resumirem a soluços e recomeçarem novamente, logo lhe abraçava todas as vezes que o mundo lhe dava as costas. E então, tão logo caía no sono, desaparecia. Até que os silêncios escuros do seu quarto também passaram a não significar mais nada e desapareceram também. Até que...

Até que as noites chegavam. Essas sim, eram longas e vangloriavam-se por partilhar minúcias. Eu, como observadora experiente, tratava de manter distância quando essas pequenas mocinhas atrevidas trepidavam em minha direção. Prefiro viver na luz do dia ou, se não, na luz de faróis: as noites, escuras e pouco benignas, gostam de deliberar-se em terrenos nocivos quando captam ociosidade. Por isso eram tão próximas dela: ingênua, moça inexperiente nas artes de perceber companhias ruins, logo estenderia as mãos para qualquer um que a recebesse abertamente. Erro hediondo. As noites fizeram acordos com o tempo, e o tempo uniu-se às noites; os pensamentos que ela tanto gostava, antes deixados de lado, passarem a sobrepor-se, tingirem-se de outras cores. Logo perderam a estabilidade: a mente dela havia de perder-se também em descrença, em medo. Seus devaneios voltaram-se contra sua dona e atacaram-na; não com facas ou armas, mas com algo pior: palavras. E assim, sua mente bela e bem cuidada desorganizava-se em redemoinhos de confusões, de ódio, de grandes catástrofes sobressalentes cujas direções voltavam-se a um único alvo ao final de tudo.

Até que... o tempo desapareceu para sempre. Até que sua alma, encarcerada por tamanha balbúrdia, quis libertar-se. Até que a energia irradiou uma última vez e, em um misto de loucura, impulso e receio, tornou-se ao pó, tornou-se um nada, e nunca mais foi vista. As prolongas se compactuaram das vírgulas e ambas preferiram transformar-se em um único, singular e sublime ponto final.

E o dia continuava lá fora, alaranjado, amarelado ou cinzento. Tanto faz. Não importava: ninguém se importava. De nada se sentia, de nada se via, de nada se falou ou se ouviu. E uma estrela da manhã passou despercebida novamente.