Perdão numa cela

Sendo assim, me vou.

Quando cheguei, cheguei de mansinho, reunindo pedaços, juntando as partes e retomando tudo que tinha, mais uma vez, do início.

Vivia a me esclarecer, a buscar a clareza, a tentar entender.

Buscava paixão, onde quer que estivesse. Nos alunos, nos meus filhos, nos olhos mornos de minha mulher, nos lábios grossos que me queriam beijar. Então num golpe fatal, rodopiei e caí.

E então me perdi... E quando me achei, me achei desfeito em eternos pedidos de perdão. Pés descalços na altura dos meus olhos, impassíveis, encaravam meu arrependimento. E para eles eu clamava por piedade e perdão... Mais acima, teus olhos acusadores choravam lágrimas destiladas de ódio e auto-piedade. Então o perdão...

Mas o perdão tem preço. Ele tarda mas não falha. E então te cobra o preço por diversas vezes.

Por mais que carregues o fardo que a ti mesmo se impôs, não há como pedir o perdão a quem te deve pedir perdão e não pagar por isso um preço pela tua tolice. Pois vais ficar esperando por pedidos desencontrados de perdão que nunca são pedidos. Vais ficar esperando que se reconheça sua plena e indiscutível intenção de reequilibrar todos os pesos e todas medidas. Não basta salvar o outro da agonia de se arrepender... Tens que sofrer o sofrimento do outro.

E assim, por anos, repetindo sua lamúria e seu eterno pedido de perdão, abdicaste de qualquer reconhecimento de que o perdão deve ser mútuo.

Ninguém erra sozinho.

Todo erro nasce do erro vizinho.

A depois de tanto amar a quem devia te perdoar, cais mais uma vez na cilada de suas próprias intenções. Cais do alto de ti mesmo e arrancas a pele do alto da cabeça aos pés.

E não te reconhecem... Não veem que ali o que está é você... Sim aquele que viveu se desdobrando em pedidos de perdão por um erro que o tempo apagou, mas que o rancor ressuscitava sem dó.

E ali assim despido da própria pele, irreconhecível em sua agonia desesperada, vês apontados em tua cara os dedos da lei.

Sim, a fria lei que impõe grilhões aos inocentes loucos que não se deixam agrilhoar. Reages, luta pela tua agonia, luta pela liberdade de ser um apaixonado enlouquecido pela frieza do perdão mal dado.

E o que um dia era a libertação da alma amorosa de dentro do peito, torna-se o encarceramento do amor para que apodreça.

E podre, faminto por olhos que enxerguem dentro de ti, lança-te quase insano ao sofrimento inextinguível de um amor incompreendido. Um amor dos loucos que pedem perdão, quando deviam mesmo era perdoar...

E a noite e o dia se confundem com o tempo que te tortura lentamente. E o chão frio é seu confidente. E o cárcere imundo, seu território virgem.

E buscando na solidão da prisão os erros que te deixaram ali, sentes finalmente o que o perdão te deu... A dor de pedir perdão sem que te olhem nos olhos teus.

Então se abre a porta: - Lázaro! Levanta e sai...

E vendo a luz do dia, sentindo o cheiro da rua, descobres que não está ali o perdão que sempre pediste. Abandonado a própria sorte, juntas teu lixo e vais andando de volta pelo caminho de onde veio, saudoso dos sonhos sonhados e lamentando não poder pedir por uma última vez: Perdão! Eu existo!