O CHEIRO DAS ÁGUAS
( Claude Bloc)
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Naquele tempo eu era quase uma menina. Adorava ficar sentada indefinidamente à beira do açude e ali me disfarçar de borboleta, passarinho, caracol... Assim eu iria poder respirar forte e sentir o cheiro das águas e ao mesmo tempo observar o vento brincando nelas. Lá, nesse universo de quietude, eu podia fazer coisas simples, como jogar seixos de volta na água, comer bolachas pra passar o tempo e conversar com meus botões. Naquela época, eu não tinha a mínima noção da minha sorte. A vida tentava me impressionar o tempo todo com suas lições e as pessoas me aceitavam na minha timidez e no meu ímpeto pela simplicidade. Então, nada mais importava. A alegria que eu vivia me bastava e eu não queria que acabasse nunca.

Tinha amigas, amigos, irmãos, primos... A vida era leve. Eu era feliz. A adolescência era pra mim a personificação do meu estado de espírito e me ajudava a guardar em mim meus segredos e sonhos de amor. Como se fosse uma pessoa amiga que tivesse entrado na minha vida meio assim, sem jeito, me conquistando com sua forma única de me fazer expressar meus sentimentos. Sim eu era tímida. Preferia ver e sentir as palavras que me eram ditas no dia-a-dia, o amor que vinha delas. Mas... tudo ficava bem guardado no relicário do meu coração.

Escrevia quase todos os dias no meu diário. Acreditava que alguém um dia leria o que eu pensara naquela hora e saberia dessa confusão de sentimentos que me oprimia e fazia tudo girar como um verdadeiro turbilhão na minha mente. Eu escrevia, sim, para alguém ler, mas não sabia quem... Eram só histórias que eu assistia, criava, inventava e reescrevia, mas não havia uma vírgula em que eu não demonstrasse toda aquela ansiedade que uma mocinha de minha época sentia. Eram todos os pontos dolorosos ou não de um sentimento sublimado, tudo anotado pelas mãos de uma escritora de diários como eu.

Achava que uma história como a minha, merecia ser escrita, pra mostrar ao mundo as estrelas que hoje ainda vejo na escuridão do outono. Eu queria escrever mais, queria até mandar cartas escritas num papel com o meu perfume. O romantismo me absorvia, me deliciava, mas também me machucava nas minhas pequenas desilusões...

“Te gosto muito, sinto saudades, te adoro”... Ahhh,como eu sonhava ter coragem de dizer isso um dia, quem sabe até um tímido “te amo”, inundando de sonhos as paixões platônicas que a gente alimentava nesse tempinho cheio de graça! Nas conversas com amigas falávamos dos sorrisos, dos conselhos, dos olhares e também das lágrimas nas horas em que nos abatiam nossas primeiras decepções e tristezas.

Eram certamente dias ensolarados esses de outrora. Talvez até nos preenchêssemos mais de sorrisos do que de solidão. Talvez pensássemos que reconheceríamos esse tal amor quando ele realmente chegasse, quem sabe... Talvez tudo desse certo ou talvez não desse em nada. Éramos assim mesmo, como se vivêssemos sentimentos profundos e, dessa forma, nossos corações viviam oscilações perigosas

Eu, nesse meio e nessa época, pensava poder viver de fato minhas previsões mal calculadas. Certamente nem sabia que meus sonhos não eram meros fatores da matemática e que, mesmo através deles, eu não iria conseguir calcular o poder que havia num instante de felicidade. Nesse tempo era apenas uma menina. Uma menina que só sabia sonhar disfarçada de borboleta, de passarinho ou de caracol.