Transfiguração no cárcere

Nasci e cresci com um verso bem no meio da laringe.

Alojado ali por obra do acaso,

Seu propósito era ser livre e harmonioso ao concretizar-se.

Desafortunado verso, só não esperava ter sido plantado em alma cativa.

Trancafiado, engasgado, expandiu-se, alargou-se, num ímpeto desesperado por liberdade.

Mas, calei-o.

Ele então fez fenda feroz ,

e a facadas, fincadas, enfiadas

dilacerou as minhas carnes.

Verso outrora suave, sutil, salutar

Estuprado nas jaulas do meu íntimo,

virou tumor gritado, rasgado, Belzebu.

Violenta minha língua e sai feito rolo compressor

a triturar tudo quanto é vida ao meu redor.

Verso podre e fedido,

transfigurado à imagem e semelhança de quem o aprisionou.

Amanda Gatto
Enviado por Amanda Gatto em 25/07/2017
Reeditado em 25/07/2017
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