Transfiguração no cárcere
Nasci e cresci com um verso bem no meio da laringe.
Alojado ali por obra do acaso,
Seu propósito era ser livre e harmonioso ao concretizar-se.
Desafortunado verso, só não esperava ter sido plantado em alma cativa.
Trancafiado, engasgado, expandiu-se, alargou-se, num ímpeto desesperado por liberdade.
Mas, calei-o.
Ele então fez fenda feroz ,
e a facadas, fincadas, enfiadas
dilacerou as minhas carnes.
Verso outrora suave, sutil, salutar
Estuprado nas jaulas do meu íntimo,
virou tumor gritado, rasgado, Belzebu.
Violenta minha língua e sai feito rolo compressor
a triturar tudo quanto é vida ao meu redor.
Verso podre e fedido,
transfigurado à imagem e semelhança de quem o aprisionou.