EM POUCAS PALAVRAS...A PROSA DA VIDA.

Era hora de fazer as malas.

A segurar as minha mãos, ela me fitou com a respiração difícil e com o olhar vago me confirmou que partiria em breve.

Não tinha força suficiente sequer para colocar na bagagem aqueles itens mais leves e imprescindíveis às viagens, então, com o coração acelerado, eu lhe coloquei o inaudível do que me pedia.

Ela, com o olhar cansado, me acompanhava em cada movimento.

Então, num dos cantos da mesma mala surrada, a das tantas viagens ilusórias em terra, coloquei sua fé contagiante, noutro a sua caridade perene e, por fim, empacotei a nossa esperança de sempre.

Trocamos um sorriso breve.

Quando percebeu que sobrara algum espaço ela me balbuciou: ”não esqueça dos sonhos" e ali entendi que nunca podemos deixar de levar na bagagem do nosso tempo o todo humano que nos sustentou.

Não foi difícil perceber que ali não caberiam tantos deles, intactos.

Num ato falho do meu entendimento curto, olhei para a sapateira do quarto: tudo impecavelmente alinhado.

Tive um ímpeto de colocar o último par “ da moda”, um que ela comprara há pouco, com toda a euforia que acompanha o “novo” das nossas vidas.

Não deu tempo.

De repente, e sem se despedir da ilusão da sua existência ininteligível, ela embarcou na plataforma dum anjo e voou descalça para a eternidade dos mistérios, por dentre a receptiva sinfonia de maritacas estridentes, alegradas pela beleza da tarde que também se ia...

Se eu soubesse, teria lhe pedido licença para despachar na sua mala toda a minha saudade.