METAMORFOSE

Um dia, quando eu acordar assustado, mas logo depois me acalmar

e não ter porque dormir, vou abrir a porta de casa e enfrentar

o mundo com a única arma que tenho, o amor...

Vou dar um pedaço a cada um, aos que já morreram,

aos que estão aqui,aos que virão, que eu sei,

se assustarão no começo, arregalarão os olhos,

depois, como quem aceita as pequenas coisas que caem nas mãos,

transformarão a surpresa em sorrisos e, como se saíssem

de dentro de um vidro, andarão pelo mundo

repintando paredes e escrevendo poesias...

Não sei quando eu farei com que as coisas mudem,

nem sei como farei isso, mas sei que a única coisa que me move

é uma sensação de réptil ardiloso, vagaroso, um camaleão

revivendo os tempos de glória celeste, no Paraíso,

quando não havia perguntas e nem respostas,

apenas a brisa suave vindo de Saturno,

em que os dias eram longos e as noites mais ainda...

Não sei se levei horas, segundos, milênios, eternidades

para pensar assim, nem sei como comecei a pensar nisso,

mas deve ter sido quando saí de casa e olhei as pessoas

de um jeito que não tinha reparado, suas estranhas figuras,

seus corpos miúdos, como peregrinos ou andarilhos

indo de um ponto a outro...

Isso me despedaçou por dentro, me tornou um objeto

de mil fragmentos,

como se eu tivesse entendido a razão e o destino de eu estar aqui,

só, um dispositivo genético que aciona o motor do amor,

motorista de células, embrião gestacional da recuperação

da raça, elemental mágica, curiosa...

Quanto tempo se leva para trocar de casca conceitual?,

não sei, só sei que quando se perde a vestimenta primitiva

raios de luz atravessam e tornam a carne, dourada,

filamentos de outra espécie de matéria se funde

ao antigo corpo e o maior presente é dotar o cérebro de sensações duradouras, quando se perde a espacialidade e o tempo,

senhor feudal absoluto, deixa de existir para permanecer,

para sempre, oculto...

Talvez eu comece hoje, agora, dentro de instantes;

sei que tomei a iniciativa por livre e espontânea veracidade

do livre arbítrio, mas o curioso é que um pensamento

me persegue como um caçador que leva a presa a uma armadilha;

que algo ou alguém ou um nada sem nada de roupas

e formas tivesse me incitado a fazer isso,

ou apenas a curiosidade do coração

que procura um motivo para continuar a bater...