Sono da vida
"No fundo, tudo é um apagamento contínuo, e viver não é mais que ser o minguar da vida que boceja de sono, a sombra do que vive em nós, protoplasma do cansaço físico. Somos sono, pois vivemos levados como folhas ao vento..."
Escrevo com vontade de dormir, vivo de um sono que não quer privar-se da vida, mas não quer senti-la desperto, quer sonhá-la sabendo-se dormindo. Ah, que dúvida! Se durmo ou se vivo...
Ouço os primeiros pingos de chuva se chocarem macios contra o chão; lembram-me estalidos espremidos de plástico-bolha - e já começa o ritmo do gota-a-gota nos baldes esquecidos lá por mim, há tanto tempo que nem lembro. O cheiro molhado de terra umidece-me os sentidos e refresca-me o ar das sensações: tudo é leve como a chuva que cai nos meus ouvidos, estou novo e inexistente como o céu. Ouço e vejo que já passou, vai passando, a chuva, e do alto do céu minúsculos cristais deslizam pelo vácuo como que desprendidos de um espirro. Veio apenas de passagem. E passou. Aos poucos tudo vai se apagando, a vida se afastando como num sono.
Frescor de ar longínquo de terra molhada, e um mar de cheiros nos sentidos. Foi o que restou. Mas já vai passando. Junto ao sono que me pesa as pálpebras, e arde os olhos com areia dos sonhos. Vai se apagando a luz da consciência, e sonha-me a vida enquanto durmo...