Você sabe que é escritor...

Não, não só quando (e muito) escreve.

Você sabe que é escritor, de fato, quando percebe: 'preciso delas!', das palavras, quando as necessita tanto quanto ou mais do que água, comida e descanso.

Você sabe que é escritor quando não consegue mais viver sem elas, as palavras, e seus conselhos; quando para tudo e antes de tudo tem que montar um divã de idéias (em sua companhia), nele estirar-se e refletir sobre o que, como, quando e por que fazer.

Você sabe que é escritor quando as palavras levam você, e não você a elas, quando lhe cobrem numa noite fria como grosso, macio e quente cobertor.

Você sabe que é escritor quando não pensa tanto ou mais nos leitores. A palavra é sua senhora, lhe domina, e mesmo podendo tudo, não abusa de você. E você confia nela. Sabe que não lhe deixará só, nunca; e mesmo que não haja mais amigos ela estará sempre lá, nos momentos de maior desespero e escuridão.

Você sabe que é escritor quando descobre o poder da palavra, o poder criador, aquele princípio que rege o mundo, que sempre esteve presente, do começo do começo de tudo: “E no princípio era o Verbo e o Verbo se fez carne.”

Você sabe que é escritor quando a palavra lhe abandona. Ela é livre e amiga, mas não se deixa por ninguém abusar.

Você sabe que é escritor quando é punido por elas, pelas palavras, juízas imparciais, advogadas incorruptíveis. Palavras servem a uma lei maior. Ainda que tentem abusar delas, são capazes de expressar claramente seu grito de alerta e repúdio.

Você sabe que é escritor quando descobre a magia, a magia das palavras, quando o tempo passa e, como uma criança inocente entretida com seus brinquedos você continua ali a montá-las, a admirá-las em seu auto-organizar. É caótico e é lindo! Para descreverem a si mesmas necessitam sempre e sempre re-inventar-se.

Você sabe que é escritor quando não há desejo mais forte do que deitar a sua alma no papel, imprimí-la em tinta corrente, e forte, deixá-la flutuar por entre linhas e, principalmente, quando lhe custa muito deixar a vida livre das palavras e voltar à fria e dura rotina, voltar à vida real.

Aí você sabe o que é ser escritor.

- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -

17.01.2010

A colega anabailune, em seu comentário, chamou-me a atenção para um trecho deste texto em que noto não me expressei claramente, trecho em que, comparando com meus textos anteriores, pareço contradizer-me:

"Você sabe que é escritor quando não pensa tanto mais nos leitores. A palavra é sua senhora, lhe domina, e mesmo podendo tudo, não abusa de você."

Sim, penso que para um escritor seus leitores têm um papel muito importante. Praticantes do bom jornalismo nos aconselham a não esquecer jamais do leitor - eu mesma trato de seguir este bom conselho. Há momentos, no entanto, como certos transes da criação artística, em que considero importante não se pensar em nada mais que não seja ouvir o que dita o coração, e anotar tudo, sem julgamentos, sem preconceitos, sem pensar num leitor em especial, sem querer agradar a ninguém, simplesmente escrever, escrever e ser fiel ao que ditou o coração. Mais tarde, na hora de revisar, aí sim, pensar antes de publicar, e pensar direitinho pra não se arrepender depois... Mesmo revisando mil vezes, sempre haverá o risco de que não fique claro o que quisemos, realmente, dizer - Ih que esse negócio de Análise de Discurso é um saco de gatos, e ainda tem o tal do Desconstrutivismo do Derrida...

Bom, espero que agora tenha ficado um pouco mais claro o quê (acho!) pensava quando escrevi este texto. Obrigada, anabailune, pelos comentários, pela partilha! Um abraço fraterno :-)

- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -

Revisado em 24.10.2010 - Fiz alterações significativas, já que o texto original foi mero exercício.