Poema para Didion

Neste ano, em que tua alma de luto

Ao mundo abriste

Ao que muitos de coragem chamam,

Digo louvável, sincero e humano ato.

Como tu mesma disseste:

A pessoa senta-se à mesa para jantar,

E a vida de outrora, como pó, evapora,

Se esvai, some, desaparece...

De repente não está mais lá.

Quem sente dor vergonha não deve ter

Momentos de pena de si mesmo, loucura, viver.

Não temas; estás em segurança; estou cá.

Ou ainda, das auto-recriminações, te aliviar:

Por que tens sempre que ter razão?

Não podes, simplesmente, deixar a vida te levar?

Que lógica há por trás da dor, do luto, da perda?

O que se esconde por trás do ato de quase tudo doar

Porém alguns sapatos, no armário, deixar?

É que de certo, quem partiu, deles precisará,

Ao que tudo indica, quando voltar.

Joan, John, Quintana...

Não como o nosso Mário, poeta

Porém também sensível, frágil, humana

E ao mesmo tempo forte,

Lutando bravamente contra os braços da morte.

Dor é universal;

Desconhece culturas, fronteiras, línguas;

Espelha lágrimas, fenômeno natural de um coração

Que para entender o luto, a morte, luta.

A vida segue em frente;

Parece ser essa uma lei natural.

E ao final, restam apenas lembranças,

E muitas, muitas perguntas mais...

Quarenta anos ao lado de alguém...

Todos os dias tudo, juntos, fazer;

Sem ele ao teu lado agora constatas, Joan:

Consegues nem ao menos escrever.

Pois de todos teus leitores, ele, o mais importante,

Daquele dezembro em diante sempre faltará

Para o que escreves ler, revisar, criticar.

Dois escritores: tudo juntos.

Dois amigos: sempre juntos.

Dois namorados: eternamente.

Uma família unida e feliz.

Dois que de tão misturados, ninguém saberia

Quem dos dois, pelos dois, o ar sorvia.

Quando um que é parte do outro se vai

Para a parte que fica resta dor, pouca paz.

A dura experiência de sem o outro,

O que se foi, sobreviver

Demora, dói...

Mas até isso, sim, se pode aprender.

Teu livro, Didion, é uma lição de vida para mim.

Não temas; estás em segurança; estou cá.

Escrever pode salvar.

Poema inspirado na leitura do livro The Year of Magical Thinking, de Joan Didion (2005), Publicado por Alfred A. Knopf, New York.