A Um Pai Ausente

O que diria a um pai ausente,

Se um dia se fizesse

Inesperado presente?

Pai, por que me abandonaste?

Era eu “um nada” assim?

O que não tive,

O que não fiz

Para te seduzir?

Sabes que,

O deixar para trás,

Por querer,

Bem pior é do que

Morrer?

Pois soubesse eu

Que eras morto,

Não teria tido assim

Tanto desgosto...

Mas ao saber que escolheste,

Partiste,

E me deixaste,

Pois assim quiseste,

Causa-me esse sentimento inerte:

Não te amo,

Nem te odeio;

Nem sequer teu rosto,

Este, reconheço...

Teu semblante,

Tua altura,

Tuas mãos,

Tua voz;

Nada concreto

A ti me remete.

Ah!, exceto...

Um nome!

José... instável como a maré...

Carlos... forte como o descaso...

Feitosa ... de desgostosa, como a mãe...

Únicas pistas que

De ti restaram:

Incompletas,

Como tudo mais.

Se teus rastros apagaste

Por certo não desejaste,

Qualquer dia,

Que te encontrasse.

Hoje, o mais certo a fazer seria

Deixar quieto o encoberto

Por certo!

Já que por toda a vida

Sem ti vivi

É certo!

Mas o fato é o fato

Que, de fato,

Sempre me faltará

Um pedaço.

Permanece uma sombra,

Uma pergunta,

Uma lacuna...

Uma parte de mim que

Não tem rosto,

Alento,

Nem vida;

Não odeia, nem ama;

Não aceita, nem critica;

Não nega, tampouco afirma.

E nessa parte, inda que

Para sempre

Esse “não saber”

Atormente,

Pior é saber que algum dia

Possa passá-la em frente.

Melhor seria,

Como a de Brás Cubas, a idéia:

“Não tive filhos,

Não transmiti a nenhuma criatura

O legado da nossa miséria”*

(*) - Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas