ARBITRARIEDADE

A arbitrariedade queria mesmo se ostentar.

Desmedida, e bem à vontade, saiu para passear.

Foi andando pela cidade-estado-Nação

como quem queria se pôr em ação.

Primeiro, começou a caminhar

para reconhecer o chão em que iria pisar.

E ao ver que, até então,

só ganhava terreno,

se pôs a pensar, com vaidade extrema,

que a tudo e a todos

bem que ela podia, como bem queria, atropelar.

E assim fazendo, desandou a acelerar

num passo largo, cavalar.

E sentindo, de vez,

que ninguém poderia a ela afrontar,

pensou então, com os seus botões,

que podia voar...

E voou, voou, voou.

Até que um dia, de modo ridículo,

qual na história de Ícaro,

seu sonho acabou...

Não sabia, a arbitrariedade,

que a mesma luz

que tudo faz brilhar,

fogo em si também traz...

E tanto, a arbitrariedade,

a luz iluminou

que, sem ela notar,

aos poucos o seu corpo se abrasou.

Em tal cena de vaidade,

em que lhe faltou serena sobriedade,

a arbitrariedade começou a se incendiar

e ser tomada pelo fogo.

E, de repente, a mesma arbitrariedade

que queria avassalar toda a cidade

viu mudar todo o jogo...

Pois o que viu se enredar

foi seu franco malogro

ao ser queimada pelo fogo,

até se acabar...

(Luiz Carlos Flávio)