UM ANJO LEVOU O POETA ÀS ALTURAS
Um anjo curvo, retorcido e anguloso,
levou o poeta às alturas da vaidade
e de lá descortinou toda beleza do mundo,
ofereceu banquete para sua fome
e luxo que vestisse.
Apresentou mulheres lascivas e homens
voluptuosos corruptos;
o Labiríntico ofereceu poder oferecendo domínios.
Enquanto apontava cá embaixo
o Malencarnado dizia ao poeta
que no mundo não tinha homem mais feio,
mais faminto, nem outro de alma tão nua quanto a sua;
o Caprichoso apontava defeitos tecendo elogios:
não há mais propósito casto no mundo,
honestidade ou bravura, não existe homem mais fraco
nem mais pobre que tu, oh poeta!
e concluiu prometendo “tudo que desejar, te restituo”.
Então o poeta mediu em silêncio
o arrombo da vaidade,
a altura do orgulho,
a profundidade da mentira
e sentiu o chão firme sob os pés;
o Poeta nem ergueu nem baixou os olhos
ao responder sem maldizer o anjo adunco:
“eu não estou sozinho”.
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Baltazar Gonçalves