ODE À DACIA

Num instante desvia o olhar, arquejante,

Pálido, com esforço caminha vacilante,

- Em passo cismado!

Pensamentos fugidios do subterrâneo,

Junto às névoas frias do Mediterrâneo,

- Submerge teu passado!

Relembrar-te o massacre dos Dácios?

Em ruínas, suntuosos palácios,

- Em nome de Roma!

Legiões de guerreiros de pedra,

Empunham gumes que a forja esmera,

- Sem piedade nem honra!

Além do sangue, ouro e rubis,

Levaram-lhe a honra, lhe fizeram meretriz,

- E teu nome furtaram!

Sobre a história dos mestres artesões,

Sobre as lágrimas dos sábios anciões,

- Romênia, lhe chamaram!

Mas não foi Dácia o mártir desta guerra,

Outras cruzes se ergueram nesta era,

- Qual Monte do Calvário!

Donde estão as obras de Alexandria?

O farol do mundo na penedia,

- Amarga teu sudário!

Até nos bosques da antiga Gália,

Estende prazeroso a mortalha,

- Avança mortal galé!

Sangue nos louros da conquista,

Como o carrasco de João Batista,

- Sedutora Salomé!

E varrendo povos como tufão,

Co’a bandeira da voraz “expansão”,

- Colossal eufemismo!

A imponente colina verdejante,

Arde em brasas no sol escaldante,

- Transformada em abismo!

Este fogo ingrato, quem lhe deu?

Foi da Grécia, acorrentado Prometeu,

- Num pacto infame?

Tu não vês o porvir que te espera?

A matilha esfaimada na serra,

- Tua sombra já lambe!

Não tens um Hércules de salvador,

Para livrar-te das garras do condor,

- Nos Doze Trabalhos!

Do povo cujo ouro te nutre,

Despertou nas sombras o abutre,

- Fecha-te os atalhos!

Enraizados na mata fechada,

Com um ferrete marcando a fachada,

- Os Bárbaros vis!

Carvalhos de pedra da antiga Germânia,

Barreiras espessas contra a infâmia,

- Lhe quebram a cerviz!

E os guerreiros em corcéis alados,

Com escudos e floretes afiados,

- O povo Filisteu!

Nem tua legião em marcha lúgubre,

Ignora os cantos da marcha fúnebre.

- Nem o fogo de Prometeu!

Tantas culturas apagaste co’a mão,

Sob a flâmula da odiosa expansão.

- Orgulhosa em riste!

Mas a matilha aperta o passo,

A mão divina desce do espaço,

- E teu teto caíste!

As colunas de pedras brutas,

Teto de empedradas grutas,

- Fortes como esfinges!

Presunçoso Império perfeito,

Desaba com a flecha no peito,

- E lembrar-te de Aquiles!

Mas o porvir não lhe trouxe as cismas,

Não caiu tua cidade em ruínas,

- Não eram bárbaros!

Recolhe-se o Leviatã voraz,

No afago piedoso do capataz,

- Trazendo os lábaros!

Acomoda-se no frondoso berço,

Junto ao peito apertando o terço,

- Na igreja do Nazareno!

Confessa ajoelhado teu pecado,

Um mar de sangue derramado,

- ‘Inda mancha teu terreno!

Ao leste, a bela Dácia prospera,

Sob os devaneios de uma quimera:

- Devolver-lhe o batismo!

Quiçá nas mãos de outro João,

Nas águas bentas do rio Jordão,

- Limpará o fascismo!

E Roma, majestosa cortesã,

Debruça nos raios de outra manhã,

- Escrevendo a História!

Co’a pena cravejada de marfim,

Sorve a tinta da era de carmim,

- E brinda a Glória!

Mas mantém no porão da lembrança,

O filho bastardo da pujança,

- Saudoso aventureiro!

Nas galés do mar da verdade,

Amarrar-me na polpa é debalde,

- Meu ode é sorrateiro!

Não, não adianta esquecer-me agora,

Fugir sangrando na espora,

- O corcel do passado!

Dentre as névoas do Mediterrâneo,

Época esquecida no contemporâneo,

- Eu canto apaixonado!