Desespero noturno
Algozes impingindo o açoite
Desgraças de toda sorte
Fazem cada vez mais forte
Este peito que sangra à noite.
Sozinho, quieto e obtuso,
Barco que não deixa o porto,
Veleiro de um sonho torto,
Valente, porém confuso,
Anseio por um ombro amigo,
Cenas de guerra, pessoas mutiladas
Afligem-me nas madrugadas,
Desesperado, busco abrigo
No estranho refúgio do instante,
Fragmentos de fugaz beleza:
A poesia nasce da incerteza
E de tudo o que é inconstante.
É gutural meu grito, ecoa da cavidade
De um tórax todo escarlate,
Lancetado, o coração ainda bate
No compasso da minha identidade:
Fúria, tensão, amor, complexidade,
Alça vôo minh'alma no além,
Atrás do que aqui não há, e já vem
A cada minuto, nova verdade,
Só um ponto de vista, já se sabe,
A gênese de um poema vociferado:
“O mundo que vejo está errado!”
Grito antes que minha voz se acabe...