Abandonei a Inspiração

Sim, cometi esse ato terrível!

Pois no meio do caminho ela me assaltou.

Assaltou-me no caminho, a Inspiração.

Quis capturá-la e a golpeei, para guardar.

Inconsciente quedou, joguei-a às costas

Deixou-me de acudir no ato:

- Mas como estava pesada!

Carreguei-a por quase todo o caminho.

Num momento derradeiro, alto,

Seu peso impediu-me respirar

Aliviei as costas, desfiz-me dela,

Me pus a andar.

Juro, não me arrependi.

Ouvi-a ainda suplicando, triste:

- Ó por favor, leva-me contigo.

Se fico aqui, congelo.

Cruel que fui, tapei ouvidos

E meu caminho sem rés segui.

Agora penso nela,

Em seu choro dolorido,

Nas cores nubladas do caminho

Onde a deixei largada só,

Se dissipando.

Agora penso em mundos irreais,

Pintados por tons sempre iguais,

Cores opacas de um realismo ideal.

O real, mesmo, poucos querem ver.

Eu também não o quero pintar - É feio.

Te conformas com as cores impostas?

Eu não!

Minha paleta carrego comigo.

Meu realismo? Eu mesma pinto

E não admito maiores questões.

Se para ti a vida é multi-incolor,

Tudo bem, respeito!

Se bem queres, vive assim tua dor.

No entanto não venhas me questionar por

Tons azul-cinza que escolhi para pintar.

Eu bem poderia misturar todas as cores e tons,

E aí seria branco, ninguém as enxergaria.

Também poderia cor alguma escolher

E aí seria o que muitos chamam negro

E eu prefiro simplesmente dizer:

Sem-cor.

Caí em mim e corri de volta

Ao lugar cruel do abandono.

Seu cadáver, visível, não estava lá!

Busquei sob o gelo, nada encontrei.

- Um outro bom samaritano, quem sabe...

Cogitei.

Masoquista, agarra-se a quem a ignora.

Caprichosa, foge de quem a persegue.

- E por isso te abandonei, Bandida!

Por esse embate, confesso,

Paradoxalmente pari a dor

Da Arte – destarte:

Não foi parto natural, foi arrancado.

Homem, pra que entendas este rasgo,

Imagina-te, vivo, tendo partes decepadas

Depois vê-las atiradas, aos urubus,

Ávidos que estão pra as comer.

Se mesmo assim, Homem, inda não imaginas

Dor essa que me corrói, destroça e alucina

Toma uma aspirina!

Tua falta de empatia assim passe, talvez...

Aliás, com aspirinas sempre curas tuas dores.

Eu não!

Eu sinto essa dor rasgada, no núcleo

Do umbigo encravada e o fantasma

Da inspiração, com mão de ferro,

A tenta expurgar, porém sem solução.

Essa dor, a contragosto, me faz poeta,

Ver o mundo feio através de vidros

Dos outros, janelas e...

Admirando dores alheias descobri antídoto

Pro veneno da minha melancolia.

Efeito colateral da dor? Esperança!

Esperança de neste inverno, mais uma vez,

Essa tão minha, minha dor, poder vê-la eu

Diluída, na fugacidade da neve fundida, ou

Enforcada nas raízes da minha frágil sensatez.

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Da série ‘Pintando Palavras’ -

Que nenhuma palavra seja caiada e pinte SÓ por acaso!

Notas:

Um lingüista (que passei muito a admirar) contou num de seus livros:

"Un poeta amigo mío puso como lema a un libro suyo una frase de Proust que encierra una honda verdad. Dice así: << A los buenos poetas, la tiranía de la rima les fuerza a encontrar sus mayores bellezas>>"

Eu, um SER absolutamente normal, e que muito pouco ainda conhece no campo das Filologias, penso que aos POETAS LIVRES, àqueles a quem tanto faz se alguém os julga bons ou maus, a estes poetas, desafiar regras, fugir do convencional é justamente o que os leva a descobrir e mostrar as raras belezas que carregam dentro de si. É só uma opinião. Se quiser discuti-la, ou puder nos iluminar com algum conhecimento acerca do tema, só tenho a agradecer. Fique à vontade.

Um abraço fraterno! :-)