Hóstia

Levei meus dois priminhos, alguns dias atrás, para receberem a hóstia no final da missa.

Eu, na idade deles, gostava muito de fazer isso: esperava tudo acabar ansiosamente para poder ir rapidinho e sorrateiramente bater à porta que ficava ao lado do altar, encontrar ali sempre um guardião dos potes das ''bolachinhas'', como eu chamava, que respeitosamente me entregava uma delas, que eu comia feliz e com muito cuidado, sempre checando se sobrara alguma migalha na mão.

Tudo parecia muito sério ali. Havia um grande respeito ao entrar naquela salinha pequena, havia um certo medo inclusive de encontrar o místico homenzarrão de branco, de derrubar a hóstia no chão, de mastigá-la grosseiramente, enfim, de desrespeitar o sagrado. Mas era divertido; não era obrigatório, afinal.

Enfim, segurando firmemente dois bracinhos rechonchudos, atravessei o pátio da igreja e bati na porta preta, sempre fechada, muito misteriosa. Por algum motivo, quando eu era criança, imaginava que encontraria ali meninas enfileiradas dançando balé, mas era apenas uma sala pequena, com homenzarrões de branco, potes de hóstia e outras roupas brancas penduradas.

Os dois entraram meio envergonhados, como eu entrava, e ficaram quietinhos, observando tudo, enquanto eu conversava com um senhor que estava ali. Ele me entregou duas hóstias branquinhas, e eu entreguei aos meninos.

O primeiro mordeu um pedaço da hóstia como se morde um pastel. Ficaram as marcas dos dentinhos, inclusive, e enquanto mastigava, fazia uma careta como se seu sabor fosse ácido, ou azedo, e me disse: - tem gosto de farinha! Eca!

O outro enfiou tudo na boca, torcendo o rosto em outra careta dramática, começou a pulsar tendo ânsias, tudo isso enquanto nós estávamos saindo dali, e resolveu cuspir tudo, ali, na beirada da porta, a porta que eu ficava imaginando que escondia bailarinas.

Realmente, eu não sabia se ria ou me ofendia, ainda meio atarantada pela hóstia cuspida no chão. Pensei em tentar explicar que as duas bolachinhas, apesar de pálidas e sem gosto, eram sagradas, mas como se define o sagrado? Talvez ele seja difícil de engolir, mesmo.

Acho que foi uma ideia meio precoce. Mais velhos, quem sabe, eles aprenderão a acariciar o áspero como se acaricia veludo, ter orgulho das próprias lágrimas de dor, e num ato de fé, tudo pálido se tornará colorido, e tudo sem gosto será doce.

Ver uma sala pequena, escura, trancada, e imaginar...bailarinas.