Livre Escravidão

A maior das preciosidades para grande parte das pessoas nos dias de hoje é a liberdade. Somos todos fascinados pela liberdade e queremos alcançá-la à todo custo, a idolatramos como a um deus ancestral que nos trará a bona fortuna e que supostamente nos permitirá viver a vida de fato. No entanto, o conceito de liberdade enraizado em nossas mentes, e que dificilmente refletimos a respeito com grande seriedade, é a liberdade de realizar as nossas vontades, de viver com intensidade nosso livre arbítrio, permitindo-nos todas as possibilidades que a existência nos oferece. Nos perdemos então nesta busca incessante pela realização de nossos desejos, muitas vezes mergulhados na fantasia, em uma “realidade” alternativa em que podemos ser e fazer o que quisermos. É justamente este um dos principais fatores que causam ojeriza de muitos ao cristianismo e à tradição: a ameaça à “liberdade”. O grande fantasma da fé para estas pessoas está no sacrifício ao que eles acreditam torná-los livres, o viver sem amarras, mas esquecem-se do que vem em seguida: a vontade os escraviza. A vontade é, historicamente, um dos maiores escravizadores do homem, sozinha tem a capacidade de destruir países inteiros, sozinha pode solapar a vida de qualquer um que se cegue com sua luz. É nesta ilusão que perdem-se muitos, a falsa sensação de liberdade que alcançam ao realizar todas as suas aspirações afundam-nos em um a espécie de areia movediça do querer. Imagine então quanta liberdade há em negar a própria realidade em que vivemos. Pois é muito simples: mergulhe na tela de um celular ou de um monitor e fique por horas entretido com todas as possibilidades oferecidas pelo entretenimento, desta maneira é possível escapar do real e tornar a fantasia tangível. Não há pecado algum neste exercício, é bastante saudável e muitas vezes é encantador, a arte está intimamente ligada à fantasia desde que o mundo é mundo e a própria realidade é refletida na imaginação (e vice e versa), podendo até fazer-nos refletir a respeito de nossas concretudes. No entanto, vivemos em tempos em que as distrações são parte fundamental de nossas vidas, o tédio é o nosso bicho-papão e não é possível permanecer poucos minutos sem que estejamos conectados aos nossos dispositivos ou aos nossos distratores. Por que é que isso acontece? Schopenhauer já apontava para isso, quando fundamentava os conceitos a cerca do enriquecimento espiritual. Tenho a certeza de que ele se espantaria caso pudesse acordar por um dia em nossos tempos ao cercar-se de tanta vacuidade combinado ao tédio que o tempo todo nos persegue. Os distratores servem, portanto, para falsamente preencher-nos este vazio, ou, melhor dizendo, para afastar-nos dele. Preferimos pintar de rosa tudo aquilo que nos cerca ao invés de enfrentarmos a realidade, decidimos por nos esquivar de tudo aquilo que nos ameaça, ao invés de nos edificarmos para que tenhamos força para tanto. Justamente este é um dos principais motivos pelos quais somos atingidos pelo desalento, vivemos dias a fio postergando a batalha, quando por fim somos acometidos pela atrocidade de descobrir que não temos nada dentro de nós. Precisamente por isso, a geração dos céticos, dos racionais e dos ateus, é na verdade a geração mais doente e melancólica da história da humanidade.

Rafael Gonçalves
Enviado por Rafael Gonçalves em 21/01/2017
Reeditado em 21/01/2017
Código do texto: T5888328
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