Aluguel

Abro a porta e reclamo do cheiro da minha cozinha, o fogão está cheio de óleo que caiu das panelas pela falta de atenção, acima encontro um pouco de arroz e descubro que o feijão era a causa do cheiro, como eu fui esquecer de coloca-lo na geladeira?

No armário apenas o necessário de uma culinária solitária, na lixeira os pacotes de biscoitos recheados se misturam com as notinhas fiscais de fast-foods e de restaurantes caros que disfarçam as linhas tortas da minha alimentação, a geladeira tem minha água gelada diária para quebra de dor de cabeça e ovo para mais tarde eu possa querer comer com um pão.

Uma sala que tem conexão para um quarto, o armário nada organizado pois não tive tempo, meu gato deitado em minha camiseta como se sentisse o meu cheiro, seu olho azul logo nota minha presença e solta um pequeno miado que eu sei o que significa, coloco comida para ele e jogo minha mochila na cama, penso em deitar mas o cheiro da cozinha pode chegar até o quarto.

Os pufes precisam ser retirados de tanto tempo parado e descubro que havia restos de comida embaixo deles, no banheiro o espelho manchado de gotas que se secaram do vapor dos banhos tomados.

Qual o preço que paguei pela minha liberdade? Lembro que a casa da minha mãe era um cartão de visita, bem construída e confortável, a comida tinha um sabor que nenhum chefe de cozinha iria chegar perto de tão boa, mesmo com os animais que minha mãe criava, o chão da sala tinha cheiro de removedor que dava um ar de limpeza e me dava vontade de por meus pés no chão, as camas alinhadas não permitindo a privacidade porém arrumadas e prontas para eu me deitar e deixar levar pelo cheiro de amaciante em meu lençol.

É duro saber que um dia tive que ir viver minha vida, tinha que saber criar responsabilidades, porém eu nunca testei antes a experiência de morar sozinho, apenas mergulhei de cabeça e encarei as dificuldades. Como minha mãe conseguiu manter isso por tantos anos e ainda mais com dois filhos? Será que depois de um tempo eu consigo o medicamento que ela toma para voltar do trabalho com disposição para limpar a cozinha inteira? Como a sua comida tem esse sabor com poucos temperos?

Eu tenho muitas perguntas sem respostas e ao longo dessa jornada eu fui descobrindo o quão gratificante é ver sua casa limpa e chamar de sua, a felicidade de trocar os móveis e ver as coisas combinando, ter um filtro de água e as portas muito bem revestidas, as cores das paredes mudando conforme sua idade e você envelhecendo num espaço para chamar de seu, talvez não seja tão ruim sair de casa e sim sentir falta da sua mãe todos os dias.

Douglas Barbosa
Enviado por Douglas Barbosa em 20/01/2017
Reeditado em 20/01/2017
Código do texto: T5887521
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