Dorme, que a vida é nada.

Demorou, demorou muito até eu entender tudo isso, cheguei a me iludi diversas vezes, com diversas coisas, hoje me vejo totalmente desconectado do mundo, e você..., você pode não entender muito bem como é sentir-se assim, mas se um dia ousar sentir, saiba que viverá uma nova vida — Após perder toda a anterior.

Eu não lembro quem ou quando, mas já me perguntaram qual era o meu maior medo, na época eu disse: "morrer só". Que medo mais sem sentido. Por muito procurei preencher-me de coisas, pessoas, afazeres, títulos, conhecimento, na falsa ilusão de que esse vazio interior poderia desaparecer, que não olhá-lo e não senti-lo seria o suficiente. Mas..., todas as manhãs você acorda, e enquanto estiver vivo, inevitavelmente, você sempre irá acordar pelas manhãs, até que em um dia qualquer não terá porque agradecer por isto. O seu vazio sempre estará presente, te obrigando a buscar mais, a querer mais. E eu queria muito desta vida, muito. Caí em duas armadilhas: Ser alguém nesta vida e ser alguém admirado por outro (s) alguém. A primeira me fez buscar um titulo social, algo para pregar na parede de casa ou esfregar na cara de alguém que não possuía tal feito. Sabe, a sociedade gosta de pessoas com algo a dizer sobre si mesmas, um papel provando alguma coisa inútil. A segunda me fez sínico, simples assim. Fazer coisas para me sentir útil, mas com a justificativa de que era para ajudar outros. Nada era pro outro, era apenas por mim e para mim. Mas esta parte é mais complexa, pois, sempre me senti um lixo, sempre senti que devia ao mundo, que já havia nascido com uma dívida antiga, e por isso, fazer a coisa certa era diminuir a culpa de estar existindo.

Há um vazio em mim que o mundo não pode suprir, que as pessoas não podem preencher, eu poderia reconstruir o mundo novamente e ainda assim, no fim de tudo, ele estaria lá, para me lembrar que ele existe e fugir não adianta, que ele é a única coisa que de fato me torna diferente dos demais.

Este vazio sou eu. Vomitando toda essa merda que essa existência me empurra goela a baixo. Irônico isso, todas as coisas das quais eu gosto, digo, nós gostamos, são coisas que estão aí, para qualquer um pegar. Não sou o único a gostar de uma música, banda, comida, autor, filme e etc., porém, o que é de fato nós, nós passamos a vida inteira tentando esconder. Se você se sente mal quando está sozinho, então sua própria companhia não é das melhores. Eu, você, somos este vazio que nos acompanha desde a origem, você pode até estar frequentemente acompanhado de gente, mas será sempre uma fuga de si mesmo. Só que isso não importa agora, você gosta do mundo e de suas coisas... Sabe, tem pessoas que parecem ter sido feitas exatamente pra viver isso aqui, gostam, amam, se identificam com cada detalhe, algumas até matam pela crença de que tudo isso é real. Eu?, eu sou outra coisa.

Nada me é suficiente, mereço mais do que o mundo tem a me oferecer, e por isso o rejeito, e por rejeitar eu sofro. Pois repito: Pelas manhãs, eu sempre abrirei meus olhos, sempre estarei vivo para mais um dia. E em um dia qualquer, eu não terei pelo que agradecer estar acordado. Mas viverei assim mesmo. Tendo em mim a obrigação de construir uma nova vida por dia, um novo mundo. Pela noite ao fechar os olhos, tudo acaba. É quando estou mais dentro de mim que fora, é quando vivo algo além da matéria. Ai eu durmo...

"Dorme, que a vida é nada!

Dorme que tudo é vão..." - F. Pessoa.

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 17/01/2017
Reeditado em 17/01/2017
Código do texto: T5885093
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.