LEO II - DEVANEIO - CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 10 – DEVANEIO

Gilda e Leo foram ao teatro no centro da cidade

e Leo, apesar de tudo, teve entrada livre no lugar. Já havia feito vários concertos ali, quando criança e no início da adolescência, no tempo em que sua mãe fazia parte da administração do teatro.

Entraram no salão de música, todo decorado em um austero veludo vermelho, e Leo levou Gilda pela mão até o piano de cauda no centro do palco. A moça ficou encantada.

- Meu Deus!

- Lindo, não? – ele perguntou, acariciando a madeira negra do instrumento. – Este foi da minha mãe. Ela doou ao teatro pouco antes de morrer...

- Meu pai me disse...

Leo abriu a tampa que cobria as cordas e sentou-se na baqueta, levantando a proteção do teclado. Experimentou as teclas e olhou para ela, ainda deslumbrada com tudo ali dentro.

- Você já tocou aqui? – ela perguntou.

- Com seis, oito, nove e... doze anos. Depois toquei num recital variado com mais oito pianistas, quando tinha quatorze anos. Minha mãe adorava me exibir pras pessoas. Tudo que eu sabia, tinha aprendido com ela. Ela me passou um pouquinho do talento dela também. Mas eu não consegui chegar aos pés dela...

- Você não se considera um bom pianista?

- Eu toco bem, mas minha mãe tocava com a alma. Ela tinha música no sangue.

- Você não?

- Meu pai nunca me deixou a mente livre pra eu me concentrar o bastante nisso. Ele tinha inveja, ciúme de mim por causa dela. Meus irmãos não tinham jeito pra música, só eu. Depois que ela morreu, eu relaxei um pouco também.

Ele ensaiou algumas notas e disse:

- Vou tocar uma das que ela mais gostava.

Começou a tocar uma canção clássica. Gilda apoiou os braços sobre o piano e percebeu que Leo saiu de si enquanto tocava. Seu rosto ficou calmo e desprovido de qualquer emoção ligada à Terra. A suavidade da música a fez viajar com ele para longe, até outras épocas, e , subitamente o teatro desapareceu ao redor deles. Só havia os dois e o piano.

Ficaram por quase dez minutos nesse sonho até que ele parou de tocar. Leo ficou olhando para suas mãos sobre o teclado até que o último acorde desapareceu no ar; depois, olhou para as mãos abertas e fechou-as, respirou fundo e olhou para Gilda, sorrindo.

- Se isso não é tocar com a alma, não sei mais o que é, ela disse.

- Não fui eu quem tocou agora... ele disse.

- Como não?

Ele não respondeu, apenas continuou sorrindo. Olhou para o fundo do teatro e viu Haroldo, em pé perto da porta. Gilda olhou na mesma direção e assustou-se.

- Vem aqui, Haroldo! – Leo chamou. – Pode vigiar de perto se quiser.

O rapaz aproximou-se dos dois.

- Seu pai está procurando por você, Gilda. Vocês são loucos?

- Ninguém está fazendo nada de errado, Haroldo, ela disse. – Muito menos escondido.

- Por isso mesmo. Samuel Torres é capaz de fazer alguma bobagem quando descobrir que vocês estão aqui.

- Vá contar! – Leo sugeriu.

- Leo! – exclamou Gilda.

- Ele está mesmo querendo ver o circo pegar fogo, disse ele, brincando com as teclas do piano.

- Eu estou? – Haroldo perguntou.

- Acho melhor mesmo eu voltar pra casa, falou Gilda. - Mas não pense que eu pretendia esconder isso do meu pai, Haroldo. Eu ia contar tudo a ele. Você vem comigo?

Haroldo não respondeu. Olhou pra Leo que continuava tocando também olhando para ele. Gilda aproximou-se dele.

- Eu vou embora.

- Quer que eu vá junto?

- Não, a gente já se arriscou demais. Tchau. Obrigada, foi uma tarde linda.

Ela o beijou na boca e afastou-se. Haroldo ficou. Leo olhou para ele com um sorriso cínico e perguntou:

- Não vai acompanhá-la, cãozinho de guarda?

- Se o pai dela não está procurando por ela pela cidade inteira, Leo, foi porque eu evitei! Vi vocês passando de carro na vinda pra cá. Sabia que a Gilda tinha que estar na aula. Liguei pra casa dela e disse ia apanhá-la na escola pra tomar um sorvete comigo.

Leo ergueu as sobrancelhas e riu debochado.

- Grande vantagem! Agora ela chega em casa e diz que estava comigo.

- Não importa. Eu sei que ela vai dizer. Eu conheço a Gilda. Mas o pai dela te colocaria no inferno se isso chegasse aos ouvidos dele por outra boca que não a dela. Deixa a Gilda em paz, Leo!

O rapaz recomeçou a tocar e não quis mais ouvi-lo. Haroldo desistiu e afastou-se. O som do piano foi a única coisa que ficou ali dentro.

LEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEO

DEVANEIO - CAPÍTULO 10

Velucy
Enviado por Velucy em 09/10/2017
Código do texto: T6137153
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