Herdeira do Caos - Capitulo 05 - primeiro

-Sabe, a primeira coisa que você tem que entender é que a magia é livre, e ela te liberta. Então, a única coisa que pode te limitar quando você começar a usar seus poderes, é você mesma. Somente sua vontade limita o que você pode fazer. Antigamente, os magos se limitavam aos seus grimórios. Os feiticeiros lançavam apenas aquilo que seus instintos lhe diziam serem capazes. Isso era uma limitação, mas trazia também uma vantagem: Eles sabiam claramente o que eram capazes de fazer, e onde e como aplicar suas habilidades. Nos somos diferentes deles, somos livres, e isso nos da um problema grave, que pode nos custar a vida num momento de emergência, pois podemos simplesmente nos perder na miríade infinita de possibilidades a nossa frente e não fazer nada, ou escolher algo ineficiente, porem vistoso tentando impressionar.

-Esse tipo de comentário, parece conhecimento de causa própria- Respondeu a aluna, com um leve sorriso irônico no rosto.

-Sim, já me aconteceu muitas vezes. A inexperiência tende a cobrar seu preço mesmo quando já se tem muito tempo de estrada. E quando a vida é longa como a minha, as vezes quem paga o preço é quem esta por perto, e não quem erra. Então, foque-se em nisso: Lembre-se de ser criativa, lembre-se que é livre e pode tudo, mas seja especializada em algo para a hora do aperto. Lutadores de Kung Fu ou Jiu Jiutsu treinam ate seus corpos reagirem sozinhos no combate, por que se eles precisarem pensar no próximo golpe, cada oportunidade sera uma oportunidade perdida. Isso também tem que ser valido para você. Pegue alguma coisa, treine ate que você responda automaticamente com ela, mas lembre-se sempre que tudo é uma fonte de inspiração. Não existe limite para o que você pode fazer, além do que você mesmo determinar.

-Sim senhor- A aluna respondeu, fazendo uma continência torta e desleixada, com um sorriso jovial e irônico no rosto. Sua postura transpassava que ela não o considerava como um professor ou mestre, tão pouco o respeitava de forma sincera, mas ela estava claramente empolgada e ansiosa por continuar- Mas ainda não sei de tudo o que posso ter como base de especialização, então não tenho como me especializar. Sei que da para envocar elementos, armas e coisas assim para lutar, sei que da para incantar coisas, sei que da para manipular as leis da física, mas não saquei tudo ainda.

-Na verdade, ate pelo seu jeito de falar você não entendeu quase nada. Primeiro, você evoca coisas que não estejam aqui, como fazer uma espada surgir onde não existe nenhuma. Você invoca os poderes dos elementos para abater seus inimigos ou o poder de Deus para lhe proteger deles. Você encanta um berloque para que ele se torne magico e especial, e incantar não existe. Manipular as leis da física é uma descrição muito ampla e simplória, existem no mínimo dez divisões de magia pra fazer isso e eu não lhe ensinaria todas elas nem se eu quisesse.

-Nossa, desculpa a minha ignorância superior sobre os assuntos que estão além da vã filosofia mortal. E quais assuntos não adianta eu pedir que você não vai ensinar, já para que eu não perca meu tempo tentando aprender?- Perguntou a aluna, genuinamente curiosa, ainda em pé, apoiando-se numa mesa com os cotovelos e pondo o queixo em cima das mãos magras que se cruzaram.

-Eu não ensino a ninguém sobre o controle do tempo, por que aprendi a duras penas que não se deve haver ninguém viajando por ele como se viaja pelas praias do mundo. Não ensino a ninguém como viver para sempre, de nenhuma das maneiras possíveis, por que a vida eterna é uma maldição que ninguém realmente consegue conceber o peso e uma vida eterna é apenas um acumulo eterno de erros e pecados que nunca podem ser plenamente redimidos, e não ensino mais ninguém a lidar com os mortos, por que os mortos estão muito melhor assim. Tirando isso, lhe sobra mexer com as energias primordiais, com a sorte e azar, com as forças físicas, com a matéria, com a vida, com a evocação de objetos e translocação de distancias, com a imitação de técnicas, com o encantamento de objetos, com a criação de matéria, com a mente dos seres vivos e acho que só isso. Se tiver mais alguma coisa, deve ser uma mistura de dois ou mais desses temas.

-“Só” isso. Pra dominar isso tudo deve demorar o que, uns vinte anos? Tem que fazer um nível médio especializado, um curso técnico introdutório, duas faculdades, três mestrados e alguns doutorados?- Disse em tom irônico a aprendiz, deitando-se na mesa e olhando para o seu professor de cabeça para baixo. Seu cabelo liso caiu ate quase tocar o chão da sala, o que chamou a atenção dela, fazendo-a se ajeitar na mesa, levantando a cabeça de forma a tirar o cabelo de tal risco. Continuou deitada na mesa, com a barriga pra cima, os pés em cima da mesa, os joelhos flexionados, a calça jeans rasgada nos joelhos e puída nas coxas ficou tensionada pela primeira vez em basicamente toda sua vida útil, dada a magreza de sua dona. -Se eu dominar o controle sobre a vida, eu poderia mexer no meu corpo e me dar mais curvas? Ou mudar a cor do meu cabelo? Ou curar ferimentos? Ou viver pra sempre? – Essa ultima pergunta ela fez ao se virar de bruços, rindo e disparando uma piscada irônica.

-Sim, isso e mais, como fazer um esquilo virar uma serpente, transformar um homem numa mulher, ou num gorila, ou num hibrido dos dois e um palhaço. Ou deformar alguém a algo horrendo e quase incapaz de viver. Como eu disse, o limite, é a sua imaginação quando tiver o controle pleno. Um truque que eu gosto muito é transformar todo o som e luz do ambiente em calor, em um segundo. Isso normalmente basta para transformar uma espada ou o cabo de um revolver em um punhado de aço derretido e a mão que a segurava em uma ruína inútil. Sem nenhuma conjuração, gesto ou qualquer coisa que me denuncie.

-Serio?- Exclamou a garota, se levantando da mesa- Que demais! Eu aqui me esforçando para fazer qualquer coisinha e você fica ai esbanjando transformar a noite em dia e som em calor! Eu sempre achei que tinha algum preço, algum risco em usar a magia de forma tão absurda e abusiva assim!

-E na verdade tem. Aqui, no meu retiro, estamos num lugar místico, onde a realidade é o que eu decido que ela seja. Mas se tentar fazer isso lá fora, vera que não vai conseguir. Lá fora, a realidade é feita pela crença comum das outras, sei lá, sete bilhões de pessoas. Isso forma uma barreira, uma película, que dificulta a manipulação da realidade. Mas se você esticar suas mãos, se concentrar bastante, focar toda sua mente nisso sozinha num quarto escuro numa casa abandonada e mal assombrada, talvez você sinta uma leve cocegas, como se passasse a mão por um milhão de pequenas penas, então vai perceber que como aqui, tudo esta conectado, que a trama da realidade ainda esta ao alcance das suas mãos. So que se tentar manipular a realidade de forma grosseira e vulgar fora de um santuário como o meu, você pode sofrer o que alguns magos chamam de “choque de paradoxo”, que é basicamente a realidade te dando um tapa por tentar passar a mão na bunda dela.

-Então existe um risco? Mas existe um custo? Da pra fazer magia em qualquer lugar sem tomar esse tal de paradoxo?

-Da, basta ninguém ver, ninguém perceber, ser tão discreta que nem você mesma consiga dizer que você fez algo que não foi natural. Se você fizer algo assim, na surdina, não existe nenhum custo. Se, por um acaso, você topar com alguém ou alguma coisa sobrenatural por ai, e tiver de se defender, lembre-se, as vezes, o paradoxo espera para ver em quem vai cair. Nem sempre é imediato, então, você pode conjurar tudo que puder e fugir para bem longe, bem longe mesmo, e deixar o paradoxo desabar na cabeça do infeliz que te importunou. Funciona muito bem contra outros magos, especialmente magos mais limitados. Outra coisa que também funciona bem para evitar o paradoxo é ir de acordo com as crenças locais. Se você estiver numa ilhota onde os indígenas acreditam numa deidade que solta raios, você soltar raios não vai ser tão estranho, so vai te colocar no panteão deles. Se você usar uma técnica ninja numa convenção de ninjas, vai ser so mais um ninja. Sempre lembre-se de que copiar algo não te faz menor, so te poupa o trabalho de criar.

-Então eu posso ir jogar vídeo-game e dizer que estava estudando?

-Se me mostrar que consegue fazer alguma coisa que tinha no jogo com eficiência, ou que ao menos consegue entender como fazer igual e que vai tentar imitar, posso lhe dar o credito.

Fernando Salgado
Enviado por Fernando Salgado em 16/06/2017
Reeditado em 16/06/2017
Código do texto: T6028895
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