Te encontrar

"Camélia, arrume a mochila, consegui duas passagens pra nós"

"Jura Zé, pra onde?"

"Vamos conhecer o mar"

Ela o abraçou quase quebrando suas costelas. Depois saiu feliz da vida saltitando para casa, contar pra família que iria realizar seu sonho de infância, conhecer o mar. Ainda mais viajar com seu namorado, três dias sozinhos, seria inesquecível. Papai torceu o beiço, mas concordou, afinal do jeito dele sabia que ela tinha juízo. Mamãe como sempre fez mil recomendações fingindo estar brava, mas por dentro estava radiante, também não conhecia o mar e de certa maneira se realizava através da conquista da filha.

"Camélia, pode levar minha canga que tem a arara azul!"

Amélia ajudou a irmã na lista de coisas para que nada fosse esquecido. Arrematou:

"Camélia, por favor se cuide, tenho receio que você se decepcione e se machuque com esse relacionamento... você é romântica demais, sonhadora demais, e esse Zé Morcego tem algo misterioso e soturno no olhar. Mas torço por você, sabes o quanto te amo, irmãzinha."

"Amélia, só agora entendo o que é o amor, estar apaixonada. Exatamente pela imensidão de medo que encontro dentro de mim. Medo de não ser correspondida, medo de não corresponder às expectativas dele, medo de tudo acabar, medo dos sentimentos que comandam meu pensamento sem minha permissão. Antes dele...eu não tinha medo de nada".

A semana passou lenta demais, como se o relógio teimasse em retardar as horas, quanto mais demorados os ponteiros mais acelerado o coração de Camélia. No sábado embarcaram felizes no ônibus a caminho da praia.

De repente, após uma subida íngreme, numa curva, desponta uma visão alucinante, o gigante de águas salgadas! Quanto encantamento nessa imensidão a sua frente. Ninguém esquece a primeira vez que o vê!...

Camélia não conseguiu descrever o que sentiu mas sentiu liberdade. Só o mar e o infinito a sua frente. Teve vontade de correr, de voar até onde céu e mar se encontram. Nunca tinha reparado no tamanho do céu. Ali ficou gigante sem prédios nem árvores a esconder o horizonte. O verde do mar do tamanho do azul do céu. Naquele instante fez o que sua mãe sempre recomendou, agradeceu a Deus por permitir a boa visão para admirar tamanha beleza.

Desceu do ônibus de mãos dadas com José. Prendeu o fôlego, caminharam pela areia. Silêncio, só as mãos apertadas diziam o sentimento.

No terceiro dia deixou a brisa passear pelo seu rosto, permitiu o sol aquecer sua pele e mostrar-se pela primeira vez ao seu filho gerado na noite anterior.

Sem saber que sua amada carregava no ventre o fruto desse amor, Zé estendeu a toalha na areia, beijou sua amada, acariciou seus cabelos.

Fim de tarde, sentada na areia, apreciando o sol vermelho esconder-se nas águas do mar, a cabeça de Zé apoiada em seu colo. Olhos semicerrados, vez em quando ele despe sua alma com seu negro olhar... Deitado a direita de Camélia que tirou da bolsa a inseparável caderneta.

Pensamento voando feito redemoinho. Acabara de vislumbrar respostas de perguntas que há tempos ressoavam em sua mente. Registra tudo no papel como se quisesse que o sentimento daquele momento jamais se perdesse nas linhas do tempo:

O que é o amor? O que seria o infinito? O amor é infinito?

"A maior busca das criaturas é o Amor!

Procura- se por toda parte. No mar, na floresta, na rocha, na lua...

Em tudo isso a busca parece tornar- se vã.

Remove- se ceús e terras, rompe- se obstáculos... Onde estará??!!

As vezes supomos que o encontramos nas "gentes" pelo caminho. Mas logo o percebemos finito!

Hoje, olhando o mar pensei:

Que perfeita expressão do amor, a junção dos azuis. Céu e mar , tornam- se unos! No horizonte onde vislumbro , um só azul se alcança!

Ah, Isso é o amor!

É o infinito! O amor infinito!

Icei velas, abandonei o cais, as terras, a paz...segui em sua direção...

Quanto mais navegava, mais distante parecia....

Soçobrei num mar se ilusões!

À deriva alcancei novas terras, desvencilhei- me de sargaços, conheci novas gentes, novos sonhos... Novos cais!

Desisti de procurar!

Repentinamente, numa fração de segundo a surpresa:

Num simples olhar encontrei!

Não estava no mar, nem tampouco no infinito...

Estava lá.

Reluzia!

Bem no fundo, do teu negro olhar!

Só por isso...me entreguei!

Me encontrei... ao te encontrar!"

Colaboração: Ângela Fakir e Jeanne Martins

Desenho: Ângela Fakir

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