19 - AS TRÊS MARIAS - capítulo 19 - NORBERTO, CÍNTIA E LÁZARO

Durante dois dias inteiros o garoto permaneceu semiconsciente, apresentando certos delírios, provocados pela febre persistente. Estava sendo mantido por soro e medicamentos, com cuidados extremados de Lázaro, que vinha vê-lo a cada intervalo de seus afazeres. Na manhã do terceiro dia, quando Celeste mexeu em seu cobertor, virou-se para ela e sorriu um sorriso tímido, amarelo, mas que indicava estar já ciente do que se passava à sua volta. Ela perguntou se sentia dores e recebeu um não com movimento de cabeça. Aproveitou para lhe dar um banho leve, trocar a roupa de cama e deixá-lo em condições de se alimentar direito.

Lázaro chegou em seguida, e ao vê-lo melhor, deixou-o livre da alimentação intravenosa e orientou o pessoal, quanto ao preparo de comida nutritiva, com teor bastante alcalino.

Puseram-no em uma cama, ao lado daquela em que se encontrava Hermínia, que ao conhecê-lo, perguntou seu nome. Ele levantou os ombros e espalmou as mãos, com a característica pose de quem não sabe ou não se lembra, mas não disse palavra. Ela achou que fosse mudo e resolveu dar-lhe o nome de Norberto. Por quê? Perguntou-lhe Celeste.

- Sei lá! Eu gostei dele e achei que tem cara de Norberto. Pode Ser?

Assim foi. Dali em diante todos assim o chamavam, e ele atendia, sempre sorrindo.

Duas semanas após, a menina já estava bem ativa e ajudava a cuidar do garoto, que apesar de ter melhorado bastante, ainda andava pouco e sentia algumas dores esporádicas.

Novos e específicos exames foram feitos, revelando que, de tão desnutrido, seus ossos estavam descalcificados, além de uma série de problemas orgânicos, paralelos ao principal mal que o acometia, oriundos, muito provavelmente, de ambiente sujo e infestado de bichos. Novas orientações nutricionais e alguns medicamentos reforçaram o tratamento, além de massagens, com intuito fisioterápico, que Cíntia se prontificou a fazer, diariamente.

Somente passadas nove semanas, após a chegada do menino, é que a assistente social retornou à Casa Assistencial, com autorização para a internação, e ficou chocada ao vê-lo brincando com as outras crianças, aparentemente recuperado e sadio. Lázaro advertiu que não era bem assim e deixou claro que, mesmo com toda a dedicação da turma, ele exigia cuidados.

- Por três vezes pretendi iniciar a quimioterapia, mas a cada nova leva de exames, ficava claro que o corpo estava reagindo muito bem à alimentação especial, evidenciando, inclusive, algum pequeno retrocesso na metástase. Como sabia que o tratamento iria ter efeitos colaterais expressivos, resolvi aguardar mais um pouco. Creio que acertei.

- Pelo jeito, terei de providenciar mais uma guarda provisória para vocês. Esse é outro que se incorporará à grande família que já possuem. Ou será que estou enganada?

Não estava. Daquela vez, Cíntia e Lázaro se tornaram responsáveis diretos pela guarda.

Menos de dez dias depois, chegou um advogado amigo, com a autorização judicial para solicitar a fosfoetanolamina, direto com o único fabricante, na cidade de Cravinhos. Cíntia e seu Alonso seguiram, imediatamente, para lá, e permaneceram no local durante oito dias, até que tivessem em mãos a substância, deixando uma doação em dinheiro, para ajudar a empresa a turbinar sua produção e alavancar boa ajuda a tantos doentes necessitados, Brasil afora.

Nos dois meses seguintes, a melhora de Norberto foi tão significativa, que todos ficaram espantados, crendo mais em milagre do que em medicação adequada. Porém, além dos vários exames periódicos, médicos e nutricionistas amigos foram enfáticos em apontar a correção das medidas adotadas, não só quanto ao tratamento, como também o cuidado em não abandonar a verificação detalhada do curso da doença no corpo. E quanto a isso, o resultado era ainda mais assombroso. O problema refluía rapidamente, enquanto a disposição e agilidade voltavam a dotar o corpo do pequeno da inquietação e atividade características dos de sua idade.

Apenas um detalhe faltava. Ele ainda não voltara a falar, por mais que ensaiasse.

Numa das sessões de massagens, Cíntia cantava baixinho, enquanto lhe aplicava suave pressão nos nervos e músculos, sob a observação de Lázaro, que lhe fazia companhia. Em dado momento, o menino, que cochilava, abriu os olhos, sorriu e disse:- Oi mãe! Oi pai!

É claro que naquele exato momento não houve mais condição de continuar a fisioterapia ou qualquer outra função, dado o chororô que dominou o casal e se estendeu ao resto de toda a família, instantes depois. A partir dali, Norberto venceu o último obstáculo e destravou sua língua, tornando-se, conforme dizia Hermínia, uma matraca-trica (falador).

Todo remédio é abençoado, mas o carinho sincero estende sua cura à alma.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 14/07/2016
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