AS TRÊS MARIAS - capítulo 16 - O NAMORO E O MAL DE HERMÍNIA

Quase todos os fins de semana a turma se reunia na casa nova, deixando na antiga alguns funcionários (havia quatro) de plantão, para atender às crianças, cujas mães tinham de fazer hora extra. Eram sábados e domingos de confraternização familiar, em que todos sentiam fazer parte do mesmo núcleo, sem qualquer distinção, ajudando e curtindo o festerê.

Cíntia, que passava os dias trabalhando com seu Alonso, no escritório da casa nova, só tinha esses dois dias para ver os sobrinhos, a irmã, Sal, Ingrid e Celeste. Costumava sair de sua habitual sisudez e brincar com as crianças por horas a fio. Naquela manhã de sábado, ao ouvir a barulhada costumeira dos pequenos, que chegaram bem cedo, levantou rápido e foi até os aposentos de Ingrid, mas estancou surpresa, ao vê-la aos abraços e beijos com Celeste.

- Desculpem-me! Procuro as crianças e nem bati antes de entrar.

Saiu apressada e voltou ao seu canto, sem saber como reagir. Sentia-se incomodada, e ao mesmo tempo, sabia que não deveria estranhar o que acabara de ver. Tentava desatar os nós de sua mente, quando Berta chegou de mansinho e sentou ao seu lado.

- Celeste me contou o que aconteceu. O namoro delas a incomoda?

- Você já sabia? Alguém mais sabe?

- Sal e as funcionárias da Casa Assistencial sabem. A mãe e o Vô creio que desconfiam.

- Eu sei que reagi mal, mas fui pega de surpresa. Será que elas estão chateadas?

- Não, minha irmã! Elas estão apenas preocupadas, pois acham que a incomodaram.

- Não quero parecer preconceituosa ou retrógrada. Vou lhes pedir desculpas.

- Não será preciso. Hoje, à mesa do almoço, elas vão anunciar, oficialmente, o namoro.

Com efeito, quando todos estavam reunidos em volta da enorme mesa de refeições, as duas se levantaram e, timidamente, falaram de suas afinidades e o desejo de conviverem como companheiras, como cônjuges. Pediam que a família se manifestasse a respeito.

Seu Alonso levantou, foi até elas, abraçou-as e se empertigou para falar.

- Sou o mais velho aqui e sinto-me avô de quase todos os presentes. Quero dar as boas vindas ao novo casal, e creio que falo em nome de cada um dos que aqui estão, desde os pequeninos até os adultos. Erguerei um novo anexo neste terreno, para que possam ficar mais bem acomodadas e ampliarei dependências da casa antiga, para que também lá tenham um cantinho de descanso e privacidade, entre tantos afazeres.

Assim que ele se calou, grandes e pequenos foram abraçar as nubentes, contentes.

Demoraram, em meio a tanta comemoração, a perceber que Hermínia jazia desmaiada numa poltrona próxima. Foi Edgar, o mais velho dos irmãos adotados, que notou a situação e deu o alerta. Tentaram reanimá-la, sem resultado, então a levaram ao hospital, onde o médico decidiu pela internação imediata, pois desconfiava que sua imunidade estivesse muito baixa.

Após o resultado dos exames, constatou-se que ela era soropositiva, e seu corpo sofria os primeiros sintomas da imunodeficiência. Com a experiência adquirida no tratamento de Ana, Francine assumiu a liderança nos cuidados com a menina, de acordo com a orientação e total assistência do profissional que a atendeu e, atenciosamente, passou a acompanhar seu caso.

Nos primeiros três meses, a medicação parecia não surtir efeito, e a garota definhava a olhos vistos, entrevada numa cama, sem conseguir sequer ficar em pé. Francine redobrava os esforços, mas sentia que a vida da pequena lhe fugia das mãos. Estava desesperada, vendo se repetir o episódio que lhe tirou a filha. Num fim de tarde, sozinha à cabeceira da cama de Hermínia, chorava baixinho, quando detectou, sobre a cabeça da menina, a luzinha azul, linda, que indicava a presença de Ana. Fechou os olhos e o que ouviu parecia surgir de sua mente.

- Oi mãe! É lindo ver o quanto de amor você dedica a alguém que precisa de amparo, mesmo não tendo ligação sanguínea. Em atenção a essa atitude, estou aqui para orientá-la, quanto aos procedimentos mais adequados ao caso. Mude, completamente, a alimentação que lhe é oferecida, retirando todos os alimentos ácidos, para que seu sangue se torne o mais alcalino possível. Não será difícil encontrar tabelas indicativas. Isso deve recuperá-la rápido.

- Nunca soube de providência semelhante, minha filha.

- Há tanta coisa pouco conhecida ainda mãe! Aja desse modo e ficará surpresa. Paz!

Ao término da frase a luz se apagou e Francine chorava muito, soluçando. Hermínia despertou, e vendo sua avó naquele estado, mesmo enfraquecida buscou sua mão, afagou-a e lhe sorriu um sorriso tão terno, que parecia fazer o tempo parar e o mundo se distanciar.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 08/07/2016
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