Infinitos voos!

“Bom dia Camélia!”

“Hummmmm, bom dia! “

“Que cara e essa? Nem acordou amassada hoje!? Como consegue acordar tão linda? Corada!!!”

“Ele veio!”

“Ele? Ele quem? Do que está falando?”

“Meu aaanjo! Lembra da conversa de ontem a noite? Tive um sonho delicioooso!”

“Então conte logo, está me matando de curiosidade!”

“Noite morna, deixei a janela aberta. De repente, na madrugada, a lua desmaiada no céu, um anjo sem rosto, sentou na beira da cama. Afagou meus cabelos, deslizou sua mão carinhosamente até minha nuca. Estremeci da cabeça aos pés! Agarrou meus cabelos com força e me beijou. Ai!!! Que beijo! Achei que iria sugar minha alma pela boca! Nunca senti nada parecido”.

“E ai? Despiu uma alça após a outra como você sonhava?”

“Amélia, você não entende mesmo nada de anjos... Anjos nunca são previsíveis. Fez muito melhor! Deslizou os dedos por trás das alças, descendo bem devagar... Um calafrio percorreu minha espinha, a cabeça rodava, achei que iria desmaiar. Senti que conhecia aquele toque. Foi como se conhecesse aquela "pegada" há séculos! Repentinamente agarrou cada lado do decote em "V" e.... Rasgou minha camisola de seda de cima a baixo!”

“Que anjo a toa, não deve saber o preço de uma camisola de seda, vem lá do céu pra dar prejuízo, destruir camisolas...”

“Não vi como prejuízo não, Amélia. Anjos são mesmo surpreendentes, tamanha surpresa ....acordei! Camisola molhada de suor, boca seca, arfando!! Tudo o que eu queria era dormir de novo para continuar aquele sonho. Senti um perfume entrar pela janela, um torpor tomou conta de mim e de novo adormeci! Chegou escorregando furtivamente num raio da lua pela janela. Sussurrou em meus ouvidos coisas que fariam qualquer uma corar de vergonha, me fez a mulher mais desejada do mundo dos sonhos... Bailamos juntos na noite morna, à luz da lua... Ah se aparecesse na minha vida um homem, tão atrevido quanto o aaanjo dos meus sonhos!”

Rimos à beça enquanto nos arrumávamos para o trabalho.

“Hei, vocês duas. Deixem de lorota e venham me ajudar no café. “

“Mamãe, pai já lhe rasgou a camisola alguma vez?”

Mamãe era cheia de ideias prontas fabricadas há séculos atrás. Quando a gente era mocinha quase não conversava essas coisas com a gente. A gente sabia que ela não iria responder nossas dúvidas sobre sexo, mas perguntávamos mesmo assim. Ela, com aquele jeito doce de ficar brava, entre sorrisos encerrava a conversa com um “Pra que que vocês querem saber isso? Moça direita só precisa saber cuidar da casa.” . Com o tempo nem haviam mais dúvidas a serem esclarecidas mas continuávamos a fazer as perguntas mais indecentes, Amélia e eu apostávamos pra ver quem conseguia deixar ela mais vermelha. A medida que fomos nos tornando mulheres a brincadeira foi se invertendo e tantas vezes foi ela a vencedora do jogo. Era ela quem nos avermelhava a face com as respostas diretas e explícitas, ilustrando situações com a experiência dela com papai.

“Se der bobeira ele faz isso até hoje. Fez muitas vezes quando éramos só nós dois. Mas agora com a casa cheia de gente... Quando nos casamos ele já era vivido. Já conhecia os cabarés – foi lá que aprendeu a dançar. Era grande jogador de cartas e até já bebia uma cachacinha. Mas casamento é assim igual ferro de passar. Primeiro esquenta, esfrega, depois passa. O esfrega-esfrega do começo passa para admiração, companheirismo, cuidados sem fim. Nesta fase da vida, cuidamos mais um do outro do que quando éramos jovens. O amor nunca acaba, ele se transforma. Hoje basta um pegar na mão para entendermos que existe amor. Mas não se engane, seu pai ainda me faz muito feliz na cama. Essa conversa está espichando muito”.

Com um sorriso de orelha a orelha, finalizou:

“É por isso que vocês não se casam. Sonham demais. Nunca precisei de anjo pra rasgação de seda. O pai de vocês não tem asas, mas eu não trocaria ele por nenhum desses anjos atrevidos. Pra segurar um casamento não precisamos ter audácia de anjos, mas uma boa dose de atrevimento dos dois, na hora certa, vai muito bem!”

Fiquei pensando em mamãe, em como ela, na sua simplicidade, tinha tamanha sabedoria. Olhei pra Amélia, fiquei pensando se um dia saberemos o quanto somos capazes com alças ou sedas alçar, com nossos homens, infinitos voos!

Colaboração: Ângela Fakir e Jeanne Martins

Desenho: Ângela Fakir

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