AS TRÊS MARIAS - capítulo 12 - A NATUREZA DE CÍNTIA

Seu Alonso acompanhou uma Cíntia tristonha até o sofá, enquanto Francine saía em busca do pão matinal. Ele desejava acalmar sua neta com uma conversa mais serena.

- Quando a conheci, querida, senti um misto de alegria e medo. Alegria por, finalmente, estar em contato consigo, e medo de ser rejeitado. Felizmente, encontrei em você a sabedoria e sensatez que falta a muitos. Por mais que sua juventude e pouca vivência dificultem-lhe um entendimento imediato acerca do que acabou de ver, creio que sua capacidade de raciocínio é suficiente para promover um entendimento adequado dessa situação que nos envolve.

- O senhor está supervalorizando minha capacidade, vô.

- Será mesmo? Talvez seja o inverso. Talvez você se subestime, sem perceber.

Cíntia abraçou o avô no instante em que sua mãe entrou com as compras. Olharam-se por instantes, e, repentinamente, a mulher largou tudo no aparador, desabou numa poltrona, com a face congesta, e desmaiou. Logo surgiu uma luz azulada sobre a testa da vitimada, que sem exibir melhora e sem abrir os olhos, começou a falar, com voz bem diferente da usual.

- Amigos e irmãos! Não se preocupem com o que presenciam. Nossa amiga em comum, Ana, é quem está à frente dos diálogos entre nosso meio e o seu. Porém, diante do ocorrido e na ausência dela, tomei a liberdade de utilizar intermediação por esta mulher, para capacitar-me a lhes comunicar que esta noite, às oito horas, o ambiente em torno desta casa estará isolado e preparado para que uma fenda se abra entre as dimensões que nos separam, e possamos ter conversa esclarecedora e abrangente. Até lá e fiquem em paz!

Assim que a voz se calou, a luz sumiu e Francine despertou, um tanto confusa.

Seu Alonso a acudiu com suavidade e piscou para Cíntia, que entendeu como pedido para não comentar nada. Quando toda a família estava reunida à mesa, para o desjejum, ele transmitiu a mensagem recebida, sem detalhar demais os acontecimentos, e solicitou que todos comparecessem à hora determinada, e tentassem, juntos, entender tais fenômenos.

O dia passou rápido e, à hora convencionada, estava o grupo sentado e falando baixo, aguardando algum sinal. Leve zumbido chamou a atenção, e foi crescendo, até fazer vibrar o ambiente. A luz se apagou e um risco luminoso surgiu num canto da sala, que aumentou e se abriu, formando fenda enorme, por onde surgiram pessoas, que pareciam emitir luzes de variadas cores, suaves, ondulantes. Eram onze, e a última era Ana, cuja luminosidade era mais fraca, apagada, mas seu semblante denotava alegria e serenidade. Falava pausadamente.

- Oi gente! É muito bom poder estar com vocês outra vez. Tenho duas mensagens para a família. A primeira diz respeito aos tempos difíceis que nosso país viverá em breve, por conta de injunções políticas e econômicas. Contamos com vocês para encaminhar trabalho simples de assistência, envolvendo roupas, comida, cuidados básicos e orientação, que serão muito mais necessários que no tempo presente e para muitas mais pessoas. O uso da casa antiga foi uma ideia feliz e conversaremos bastante ainda, para detalhar planos e atividades.

Durante breve silêncio, a pulsação luminosa das entidades aumentou.

- A segunda mensagem é mais específica e se divide em duas partes. Cíntia, de manhã, presenciou algo que a incomodou, e que será tema de uma conversa entre todos após o final deste comunicado. A incomodação não ocorreu apenas porque dizia respeito a algo incomum neste meio familiar, mas porque é algo alheio à própria natureza dessa minha irmã querida. O que você e os presentes ainda não entenderam é que, nesta existência, seu metabolismo está constituído para uma postura assexuada. Sei que entende quando digo que nunca sentiu uma vontade qualquer de natureza sexual, que não sente atração por homens ou mulheres, que não enxerga sensualidade como a maioria. Há casos em que isso pode evidenciar um distúrbio, mas no seu caso é realidade fundamentada, solicitada por sua própria pessoa, antes de nascer no meio físico, para desempenhar trabalho, cujo compromisso assumiu, anteriormente.

- Então não sou anormal?

- De jeito algum, irmãzinha. O que vive é incomum, mas apesar de seus temores em ser incompreendida pelos outros, sei que isso não a incomoda, e se puder contar com a família, viverá feliz e dedicada aos seus objetivos. Só quero lhe pedir que também seja compreensiva com os demais, com outras situações e pessoas, e se abstenha de julgar, porque enquanto o bom senso e a serenidade aproximam uns e outros, por mais que sejam divergentes em ideias e atitudes, julgamento e crítica erguem muros de defesa, revolta e ira. Até breve!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 01/07/2016
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