AS TRÊS MARIAS - capítulo 11 - NOVA CASA, RECOMEÇO

A viagem de volta ao Brasil foi mansa, tranquila, em contraste com a de ida, quando a tristeza dominava o cenho de todos. Os dias passados em terras lusitanas serviram para, quem sabe, desopilar e unir sentimentos, em torno de um ideal de continuidade e positivismo.

O que ninguém ousou comentar, pra valer, foi a estranha aparição à sombra da figueira, cuja luz difusa desenhava, sem sombra de dúvida, a imagem de uma Ana sorridente. Durante longos segundos, nunca calculados, o grupo permaneceu focado e paralisado, diante do fenômeno. Interessante, também, foi o que ocorreu logo após. Conforme sumia a imagem, os presentes passaram a sentir torpor tão grande, que tiveram de seguir para seus aposentos, em estado quase sonambúlico, quais zumbis. Na manhã seguinte, nenhuma palavra sobre o acontecimento, apesar da lembrança estar, fortemente, presente na mente de cada um. Até aquele momento, no avião, nenhuma manifestação, nenhuma alusão, nada.

Assim que desembarcaram, uma van, providenciada por seu Alonso, aguardava para transportá-los, mas assim que iniciou o trajeto, perceberam estar indo em outra direção.

- Antes que digam algo, quero anunciar que enquanto estávamos fora, providenciei a reserva de uma casa maior e bem localizada, que servisse de moradia a nós todos, com possibilidade de setores privativos a cada pessoa ou casal, e ainda possuísse espaço para que pudéssemos utilizar como escritório. Estamos a caminho dela agora, e quero que me digam se a aprovam, para que possa fechar o negócio, arrumar detalhes e fazer a mudança.

Olhares se cruzavam, interrogativamente, mas a expectativa foi breve. Em poucos minutos já estavam diante do casarão, em bairro agradável, ajardinado. Não era casa luxuosa, mas tinha bom tamanho, muitos aposentos, e parecia ter sido feita para acomodar mais de uma família. A concordância foi unânime e em poucos dias já estavam ali habitando. O primeiro jantar foi comemorativo. Comida gostosa, conversa fiada, riso solto, até que o nome de Ana foi aventado no recinto. No mesmo instante em que um silêncio se impôs, a um canto do ambiente formou-se imagem semelhante à da figueira, só que dessa vez tal imagem tinha voz e movimento. Era, realmente, Ana, que se dirigia, volitando, à mesa.

- Não tenho força suficiente para pronunciar muitas palavras, e para que aqui esteja, vários amigos estão auxiliando. Vim para lhes assegurar que a morte é apenas uma passagem e que estou bem, apesar de ainda um tanto enfraquecida. Fui autorizada a me comunicar com a família, periodicamente, para encaminhar trabalho assistencial, que, se todos concordarem em participar, será de grande ajuda para muitas famílias, durante os próximos e difíceis tempos de crise, que se aproximam de nosso pedaço de chão.

Cíntia foi a única que se moveu, como que querendo perguntar algo.

- Não posso prolongar minha permanência aqui, minha irmã, mas voltarei em breve e daí poderemos conversar, esclarecer algumas coisas, mas não todas. Fiquem em paz!

O desaparecimento foi imediato, mas o pasmo dos presentes continuou por alguns segundos. Ao invés de permanecer macambúzia, como em Portugal, a turma explodiu em entusiasmo. O único que chorava era seu Alonso, mas garantiu que estava felicíssimo. Por horas permaneceram comentando aspectos da mensagem, e foi Berta quem mencionou existir a possibilidade de utilizar a casa antiga como sede de um trabalho social, como disse Ana.

Dormiram tarde, mas Cíntia, a madrugadora, levantou-se às seis e, quando saía para ir à padaria, deu com a mãe, num canto escondido do jardim, beijando um homem desconhecido. Entrou, novamente, assustada, sem saber o que fazer, e logo em seguida Francine a seguiu.

- Deixe-me explicar o que viu, minha filha.

- Não precisa explicar nada, mãe. Eu apenas gostaria de não ter visto o que vi.

- Ouça, por favor! Eu e Alonso somos companheiros, mas ele já não tem a virilidade, da qual sinto falta, num homem. Ele sabe que tenho alguns amigos confiáveis, distintos, com quem satisfaço minha necessidade sensorial. Aliás, ele os conhece bem, e tudo que se passa está de comum acordo entre nós. Somos excelentes amigos e nos entendemos muito bem.

- Olha mãe, eu tenho dificuldade em absorver tanta coisa diferente de meu jeito de ver a vida, de viver. Não sei se isso é certo ou errado, mas acho que toda a família deve saber.

Naquele momento, seu Alonso, que ouvia tudo, pronunciou-se a respeito.

- Concordo com Cíntia. Não deve haver segredos entre nós. Todos temos necessidades e particularidades, mas com união e bom senso não há nada que não se resolva a contento.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 30/06/2016
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