AS TRÊS MARIAS - capítulo 10 - SEU ALONSO E A LUZ DIFUSA

Seu Alonso levou seus hóspedes por toda a extensão de suas terras, através de hortas, pomares, pequenos bosques e arroios, cujas águas brotavam de nascentes ali localizadas, e se estendiam por quilômetros, até atingir outras localidades e desaguarem em rios caudalosos.

À noite, após lauto jantar, surpreendeu a todos, com exceção de Ingrid, levando-os a conhecer o cantinho do casarão, que era utilizado, somente, por Ana e sua namorada. Era um apartamento, no terceiro andar do imóvel, com vista espetacular do alpendre, e desde que sua eventual moradora se ausentara, ele em nada mexeu. Seus pertences, escritos, tudo intocado. Cada um da turma fuçava, compenetrado e em silêncio, em algo do tanto que se esparramava por ali, até que Sal, olhando para Ingrid, verificou que ela chorava em silêncio. Entendeu que aquele espaço representava muito para ela, talvez mais do que para os demais, e resolveu dar ciência a todos de que achava razoável que a deixassem com suas lembranças.

- Eu ia sugerir isso, garoto. Na ausência de Ana, este espaço já era de Ingrid.

Ela sorriu, sentou-se à cama e folheava um caderno de anotações, chorosa, ausente do que se passava em volta. O pessoal foi saindo de fininho, respeitando seu momento.

Na noite em que se completava um mês do falecimento de Ana, o velho mandou rezar uma missa na capelinha de sua propriedade, e em volta de grande fogueira, no terreiro frontal, dispôs uma tenda, com lanches, música suave e poltronas, para que pudessem estar por horas ali conversando, sob uma lua cheia, em noite fresca de primavera, até que o sono os vencesse.

Quando Cíntia, a madrugadora, levantou na manhã seguinte, e saiu à varanda, viu que sua mãe e Ingrid conversavam à sombra da grande figueira, em frente ao casarão, e pareciam um tanto agitadas. Chegando a elas, percebeu que falavam de Ana, mas o diálogo era em inglês, e falavam rápido. Como não dominava o idioma, pediu que lhe traduzissem.

- Ingrid está dizendo que sonhou com Ana, que foi muito exato, nítido, que ela pretendia se comunicar conosco, para contar algumas novidades, e quando acordou, viu, claramente, a figura de sua irmã diante dela, em pé, ao lado da cama, sorrindo e se despedindo.

A chegada de seu Alonso quebrou a concentração e o pasmo em que se postaram todas as três. Contaram-lhe o ocorrido e, ao invés de estranhar, o homem sorriu e disse que gostaria de também ver sua neta. Convidou-as ao desjejum e disse que pretendia falar a todos, após. A turma toda ainda saboreava alguns pasteizinhos doces, quando ele pediu a palavra.

- Desde que os conheci, sinto-me renovado em meus objetivos e perspectivas. Quando da morte de meu filho, logo após a de minha esposa, achei que não me restava muito por viver, e que deveria aguardar minha hora fatal em introspecção, resguardado do mundo. No entanto, ao travar contato com Francine, e através de longas conversas, muita afinidade de interesses e ideais, passei a considerar uma alternativa melhor para meu breve futuro. A doença e posterior morte de Aninha abalaram o que eu e essa bela mulher estávamos construindo, então ela me comunicou que iria de vez para o Brasil, e nunca mais pretendia se afastar de suas filhas.

Enxugou uma furtiva lágrima, e diante do silêncio coletivo, continuou.

- Algum tempo após sua partida, e aproveitando que deveria lhe enviar seus haveres, fui eu mesmo levar a bagagem, pretendendo conhecer sua família, que também era minha. Sabia ser difícil que me recebessem de forma positiva, pelo histórico dos acontecimentos, mas para minha surpresa, fui aceito, senti-me muito bem acolhido, enxerguei a possibilidade de possuir um novo núcleo familiar, e por esse motivo, quero lhes pedir que me aceitem como alguém que possa compartilhar de sua intimidade, dividir bons e maus momentos, conviver.

Berta levantou e deu-lhe um beijo, enquanto Cíntia propunha uma questão.

- Vô! O senhor mora aqui, tem seus negócios, está muito longe de nós.

- Decidi, se me quiserem, que vou para o Brasil, viver com vocês. Tenho cá uma equipe muito capaz, que pode controlar meus negócios, enquanto acompanho tudo, eletronicamente, de lá. Também quero abrir uma empresa em seu país, onde nunca vendi meus vinhos, e muito me alegraria se tivesse você, minha neta, como administradora.

Um por um, a patota toda o abraçou e beijou. Estava decidida a questão.

Naquela noite, a título de despedida, resolveram repetir a noitada à volta da fogueira e sob a tenda ao luar. Muita conversa rolou, até que as vozes foram minguando, fogueira quase apagando, e um estranho calafrio silenciou o grupo, que, instintivamente, olhou para o banco sob a figueira, divisando uma luz difusa, que desenhava, nitidamente, a figura risonha de Ana.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 26/06/2016
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