A ilha mostra uma caverna e logo a maré alta esconde a  entrada. Depois vasa. E eis a porta, novamente, escancarada. 
— Como sair daqui? 
Daniel refazia,  no silêncio de seu coração,  a conversa recente que tivera com Ravenala sobre morar numa ilha. 
— Eu não conseguiria viver por mais tempo longe do conforto da cidade — dissera ela. 
Esse sentimento também ocupava sua alma, mas ele nada dizia. Afinal, morava  numa ilha. 
Daniel aproxima-se. 
 Ravenala, estaca. Temerosa. 
— Venha! 
— E se a maré subir? 
— Não vai acontecer agora. 
Entraram. 
O primeiro salão tinha um lago repleto de peixes: cento e cinquenta e seis espécies diferentes. Daniel  e Ravenala passaram esgueirando-se entre o paredão e o abismo. Outra sala adiante os esperava. Vazia. De suas paredes, escorria água. Pouca. 
— É potável — disse elecom a mão em concha sobre a boca. 
O mar avança. Bramindo. A maré  sobe, depois recua como um jacaré que vem à margem e volta arrastando as partas. Relutante. Insiste a maré, e avança novamente. 
— A porta ainda está aberta. Vamos correr! 
A maré lança na praia alimento em fartura e expõe muitas espécies de seres vivos comestíveis. Aves marinhas fazem a festa, e se fartam e divertem os espectadores com acrobacias espetaculares. Estariam elas surpresas com a presença de humanos? Manifestavam satisfação com a presença de visitantes, ou o ritual fazia parte de seu cotidiano? 
— A praia esta limpa, varrida e lambida pelas ondas. 
— As ondas beijam a areia, e a lua beija o mar. 
— Fico contente que evoques Casemiro. Mas não vejo lua, vejo sol!  
— Prometo, à noitinha, colocar a lua debaixo de teus pés. 
— Doce luar. Tenho medo de afogar-me nesta lua. 
Riram. 
Ela pensou  em dizer: ‘Tu és o Sol. Eu sou a lua. Mas, segundo a lenda, o sol e a lua nunca se encontram’. 
— Vamos apostar corrida? 
— Pode não ser bom para o bebê. 
— Façamos uma caminhada. 
Daniel estava cinco passos à frente de Ravenala. Ela pisava sobre o rastro dele deixando uma só pegada.— Estás tirando minha sorte! 
— Não! Estou abençoando teus passos. Eles me levam pelo melhor  caminho. 
— Sim! Serei a sandália de teus pés, e tu serás a luva que aquece minhas mãos. 
— Lindo, poético! Espero que na cidade, também caminhemos, sob essa luz abrasadora a incendiar nossos corações. 
A imagem de cidade grande trazia à mente de Daniel cenas e cenários dos quais ele  não  gostava de recordar-se: ladrões, batedores de carteira...e casamento fracassado, antes aplaudido pela presença indesejada de muitos convidados. 
— Não me sinto atraído a morar nas grandes cidades. 
— Não pensei em cidade grande! Pensei apenas em cidade, escola para nosso filho, brinquedos, parques, enfim, conforto e lazer que não podemos oferecer-lhe  numa ilha. 
Parados à sombra de uma palmeira, contemplam uma ave viajando em mergulho aterrador sobre as águas espumantes do mar.
 


*** 
Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.
 

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