Contestando a gramática:
SUBSTANTIVO ABSTRATO X SUBSTANTIVO CONCRETO




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https://www.youtube.com/watch?v=BGjJ76oo5KU&list=PLcgqaOL9Yxt2tljvjuWvtXJ3LEsnhhmqF

 
        Primeiramente, vale ressaltar que esse conteúdo é um assunto que pode gerar várias discussões, muitas delas talvez até intermináveis, porque "a distinção entre concretos e abstratos é mais filosófica do que linguística e dentro da filosofia é muito fugidia”, como já dizia CÂMARA JR.(1992, p. 78 apud LUFT, p. 138).
     Mas, mesmo assim, como não deixamos de ser refém das arcaicas normas gramaticais, em algumas situações, vamos ver que conceito se aborda em geral nas gramáticas, utilizando aqui a concepção de CUNHA e CINTRA (1985, p. 171-172):

* CONCRETOS - substantivos que designam os seres propriamente ditos, isto é, os nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um gênero, de uma espécie ou de um dos seus representantes [...].
* ABSTRATOS - substantivos que designam noções, ações, estados e qualidades, considerados como seres [...]”.

 
DESCONSTRUINDO CONCEITOS...
1º: o primeiro ponto a se contestar é a ideia de substantivos concretos serem designados como seres PROPRIAMENTE DITO. Pensando-se no contexto escolar, onde esse conteúdo é normalmente abordado, pode muito bem haver um aluno de sexto ano, cuja aprendizagem baseia-se pelo concreto, afirmar que a palavra “mesa” designa-se por ser um objeto criado, montado e pensado por alguém e que, por isso, não poderia ser subclassificada assim, ou seja, por ser “pensado”, não poderia ser conceituado assim.

2º: Ao falar de abstratos, os autores dizem que designam qualidades, ações ou atributos. “Sofrimento”, então, poderia ser também contestado, ao aluno acreditar que isso não é uma ação, como uma qualidade, já que é peculiar a um ser humano. Ou então, ao escrever um texto sobre “sofrimento”, como ele utilizaria esse vocábulo sem precisar manifestar, sob a ótica de Savioli, que Joãozinho pôde ver o sofrimento de Mariazinha, após ela ter sido traída pelo seu melhor amigo, sendo que o sofrimento em questão não foi um ato de Mariazinha, e sim uma condição? E se João pôde ver o sofrimento, o aluno não poderia conceber isso, na sua mentalidade, como um fato concreto?

3º: Ao comentar sobre lugares serem designados como substantivos concretos, pensemos na palavra composta “EUA” (Estados Unidos da América). Não há razão inteligente para concebê-la como concreto, quando se baseia na questão da “natureza dependente”: os EUA são assim concebidos porque são formados por estados que os unem. Sendo seres dependentes, poderiam, então, ser tomados pelas pessoas como substantivo abstrato. Além disso, ao se sugerir, por exemplo, que se imagine o substantivo “EUA”, ele certamente não conseguirá concretizar uma imagem única dessa nação, visto que a ela não se apresenta de forma material, própria e independente.

4º: E dizemos então que "Bonito" é um substantivo abstrato? No mesmo momento, podemos ser acusados, pois "bonito" é adjetivo, e não substantivo. Mas como, se a explicação é que os abstratos designam-se também como "qualidades", segundo o autor? A mesma observação pode ser feita com "ações", conforme apresentado na concepção. Quer dizer então que poderíamos mencinar que "correr" é um substantivo abstrato? Obviamente, não! Essa conceituação é, no mínimo, supérflua e sem significado para nós, quem dirá para o aluno, que está construindo o conceito importante do que são as classes gramaticais, lá pelo 6º ano do Ensino Fundamental, ou antes...

5º: A mídia especula bastante sobre a abordagem de “mercado”, tratando-a como INSTITUIÇÃO (mencionado no exemplo dos autores, designando-se como CONCRETO) e fazendo com que a população também a veja como um ser concreto, quando, na verdade, o mercado, por si só, não é representado como ser atuante e independente, mas sim como um nome originado de atuantes de decisões e influências variadas. Na frase “Mercado vê mais distante o risco de racionamento de energia elétrica”, mesmo não se concretizando a imagem de “mercado”, a mídia o trata de forma personificada, como se ele fosse um ser protagonista. Fica evidente aí que o “mercado” não é ser independente nem tem existência propriamente dita pela colocação do adjetivo” brasileiro”.

 
POR QUE É IMPORTANTE REPENSAR NISSO?
     Embora assuntos como substantivos concretos e abstratos pareçam ser insignificantes, pois não são objeto de avaliação em muitos concursos ou porque se tratam apenas de categorização morfológica, não é nessa ideia que devemos acreditar. Primeiro, porque tudo o que envolve reflexão sobre a ciência da linguagem não é fútil; muito pelo contrário, é imprescindível para quebrarmos aquilo que nos ensinam como homogêneo, unívoco e exato, a exemplo da gramática! Basta parar um pouco para pensar que ela dificilmente vai nos fazer debater a língua, visto que sua principal ação é ordenar, mandar, condenar, julgar, com base em escritos que não são capazes de elucidar o objetivo das normas. Dizer que serve é para escrever e falar ("ai!) certo é insuficiente e no mínimo limitado!
     Além disso, pensar em classificação de concretos e abstratos é melhorar compreensão de textos e a visão de mundo. Faz vermos que, como mencionado acima, na verdade, de culpado o mercado não tem nada. Aliás, não seria esse mercado uma abstração para tornar ilegíveis questões legais? E do que adianta pensar que, segundo notícia do Exame.com, por exemplo, que "EUA alerta que Coreia do Norte perderá qualquer guerra que iniciar", se boa parte da população talvez pouco se importe com isso, deixando essa afronta à merce de entidades governamentais da nação que realmente estão mancomunadas sob esse ponto de vista? EUA é apenas uma entidade imaginária; como torná-la concreta por sua não-culpa?
     De anos em anos, caminhamos junto a diversas evoluções, em diversas áreas, mas esquecemos da nossa LÍNGUA, que ainda é tão dominada por normas europeias! Aceitar algumas ideias como verdade é, no mínimo, duvidoso, ainda mais quando esses fatos foram escritos há mais de 200 anos, por gramáticos (pesquisadores, mas não cientistas!), os quais, (in)felizmente, não conseguiram agrupar regras que correspondam aos fatos no nosso português brasileiro! Exemplo disso é quando percebemos muitas dúvidas sobre a língua não terem fonte de esclarecimentos pela norma-padrão. A norma é tão falha e há tanta dúvida a respeito dela que não estaríamos discutindo substantivos concretos e abstratos agora, se hoje houvesse explicações coerentes sobre o assunto.
    Não há muito tempo que escrevi um artigo sobre a abordagem dos substantivos; nele, sugiro propostas de intervenções didáticas e linguísticas na abordagem desse conceito, não só no ambiente escolar, mas também no uso em que tão pouco pensamos, mas muito utilizamos, no dia a dia. A pesquisa foi baseada em mais de 15 gramáticas e em alguns sites, e o que mais pude notar foram falas iguais em tons diferentes. Isso me faz pensar que estamos estagnados em pleno Séc. XXI e que, por algum poder maior (qual será?!), não estamos acompanhando com destreza o passar dos tempos.