Fiticero ou feiticeiro (?): uma explicação científica sobre o fenómeno linguístico presente aí (por Caetano Cambambe)

‘’Fiticero não existe. A palavra correcta é feiticeiro’’. (Almeida, 2011, pág. 54)

É um erro, à luz da ciência da linguagem, dizer aos falantes que ‘’fiticero’’ não existe, pois é uma palavra bastante usual por eles e que representa, tal como as demais palavras, um signo. Em contexto informal, é bastante normal que se faça o uso de tal vocábulo. Isso não passa nada menos de uma confusão que os nossos puristas fazem entre a língua falada (viva e espontânea) e língua escrita (morta e conservadora), julgando que a mesma camisa de ferro que eles colocam no código escrito deve ser a mesma para o código oral. A língua, por ser viva, está quase sujeita a tudo: à mudança, variação e evolução. Aliás, ela não precisa de decreto algum para mudar, pois, em constante relação com o falante e o meio social, ela por si só muda. A língua escrita, ao contrário, não: para que haja mudança, é necessário que as ‘’autoridades da língua’’ estejam todos à volta da mesma mesa. Então, ocorrências como essas, na fala, não é meramente um caso para espanto e para tanta preocupação. Por a língua ser viva e feita pelos falantes, há boas razões por que tal fenómeno deve ter a honra, o prazer e a amabilidade de existir na fala.

Por que se diz ‘’fiticero’’ em vez de ‘’feiticeiro’’?

Como se sabe, os fenómenos linguísticos atacam em abundância a língua falada e, em pouca abundância, a língua escrita. E como se trata mesmo de fala, ‘’fiticero’’ não foge da regra: foi vítima de um fenómeno que, lá mais para frente, explicaremos. Todavia, importa salientar, desde já, que se trata de dois casos, embora os ditongos sejam os mesmos. Para isso, explicaremos passo a passo, para que possamos todos compreender, do ponto de vista científico, o fenómeno gerador disso.

Nota-se, em ‘’fEIticEIro’’, dois ditongos idênticos: um, entre o F e o T (fEIt); outro, entre o C e o R (cEIr). Nota-se, já em "fiticero ", a ausência de E após o F e, no caso a seguir, verifica-se a presença do E após o C.

No primeiro ditongo, por E ser mais fraco que o I, acabou, na fala, por ser assimilado pelo I. Não sobreviveu do ataque linguístico originado pela assimilação, resultanto simplesmente na sobrevivênvia do I, conforme se vê abaixo:

(F) EI > (f) I.

O segundo caso também sofreu um ataque da assimilação, que é um processo fonético que se dedica a fundir dois sons quase idênticos, que têm algum parentesco ou alguma relação num só.

Foi o que Bagno (2006) tentou dizer aqui:

‘’[...] existe uma força muito ativa na língua que se chama assimilação. Quando encontra dois sons que têm alguma “coisa” parecida, semelhante, ela faz de tudo para que eles se juntem, se fundam num só. No caso do nosso ditongo EI, a assimilação “aproveita” o caráter palatal da semivogal I [...] para reuni-las num único som. [...]’’. (págs. 106-107)

Naquela caso, o E em contacto com I, como se pode imaginar, foi, ao contrário do que vimos no primeiro caso, mais forte em relação a ele e que, consequentemente, conseguiu absorver as propriedades daquela semivogal. Em outras palavras, ocorreu aí uma transformação de dois sons (EI) em um (E), pois o outro, por ser mais forte, conseguiu eliminar o adversário dele, terminando (para os dois casos) numa monotongação.

(Fitic) EI > (fitic) E.

Daí a razão, na fala, de ‘’fiticero’’ em vez de ‘’feiticeiro’’.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 01/01/2017
Código do texto: T5868819
Classificação de conteúdo: seguro