Um olhar atento à transitividade verbal directa com recurso à preposição no português falado em Angola (por Caetano de Sousa João Cambambe)

Os verbos transitivos directos, de acordo com a tradição gramatical, são aqueles que precisam de um objecto directo para completar o seu sentido. Em outras palavras, são aqueles que, na sua realização plena, não admitem a presença da digníssima senhora preposição.

Ela, a tradição gramatical, recomenda ainda que sempre que a gente desejar beneficiar-se do bom serviço prestado pelos verbos transitivos directos, devemos certificarnos de não o fazer acompanhar daquela ilustre senhora ora acima descrita.

Assim, quem desobedecer ao aviso, ou seja, quem empregar um verbo daquela categoria concomitantemente com uma preposição, estará, gramaticalmente falando, cometendo aquilo que os puristas e os conservadores dos dogmas da gramática portuguesa consideram de "erro", "agramatical", "inexacto", "desvio", "crime", e tantos sinónimos por aí existente.

Falando ainda em 'verbos transitivos', convém-nos dizer que, em latim, por exemplo, há verbos que assumem um valor de transição, mas que em português assumem o valor de intransição. Isto, em outras palavras, significa dizer que nem sempre se denota uma correspondência regencial entre os verbos em latim e em português. Contextualizando, um verbo pode ser intransitivo em português, mas transitivo em latim.

Ora, de regresso ao que acima fizemos menção, apraz-nos dizer que, no português falado em Angola, há diversos verbos que a tradição gramatical recomenda o não uso de preposição após dele, falamos propriamente dos verbos transitivos directos, mas que, apesar do combate que a escola e os militares de bata branca disfarçados de professores de português, têm feito, o uso e o contexto têm falado mais alto.

Exs.: vi-te A estudar na varanda; eu namoro COM a Regina; etc.

Vê-se, claramente, em cada exemplo, a presença da ilustríssima senhora preposição simples.

Apesar dos fortes apelos que os professores, por intermédio de um ensino tradicionalista, conservador e preconceituoso, têm feito a fim de extinguir (em) o uso daquela (s) senhora(s) acima, a verdade é que, por um lado, tal apelo tem sido ignoradamente ignorado (risos), visto que a gramática internalizada tem se demonstrado mais forte em relação à externalizada. Por outro lado, sabe-se que as pessoas não mudam da 'noite para o dia'. Isso é questão de tempo. É como deixar de comer, actualmente, nalgumas famílias paupérrimas, o vencedor do "Angola Peixe Alword": a famosa 'lambula'.

Torna-se, e bastante complicado, considerar agramaticais construções como aquelas, pois o número de usuários é, por certo, extensivo. Repare, caro leitores, que até os mais letrados servem-se (sem problemas) daquelas sentenças em apreço. Conseguem, situacionalmente, transmitir e fazer-se compreender o que desejam. Do mesmo modo, é um esforço inútil tentar arrancar as ilustres senhoras 'COM' e 'A' do falar de uma boa parte de ‘’mwangolês’’ que constituem este país chamado Angola, visto que é, de facto, assim que os Angolanos falam.

Frases como aquelas em apreço, não são simplesmente registadas no português oral, pois, no escrito, também.

Não se trata propriamente de "erro" algum, a não ser que os Moçambicanos e os Brasileiros têm também se combinado para falar assim. O que se assiste, hodiernamente, é o uso de duas construções perfeitamente lógicas dentro de uma realidade sociolinguística. Nota-se, em frases como aquelas, uma diferença ao nível sintáctico com aquelas que se devia utilizar; todavia, uma unanimidade no que diz respeito às transmissões de mensagens perfeitamente emitidas.

Trata-se, no caso, de duas variantes dentro de uma só língua, mas com aspectos um tanto quanto discrepantes. Uma, a sua norma é criada por um grupo minoritário de pessoas, baseando-se num bom falar de alguns políticos, no bom escrever de alguns escritores. Nessa variante, a norma não deriva propriamente do uso da língua pelos falantes, pois, se derivasse, não teríamos o motivo de estar sempre em desacordo com muito daquilo que a tradição gramatical enxerga como sendo o "bom português", a "única forma de falar" e que todos aqueles que não dançarem a música que ela toca são, na verdade, vistos com aquelas características que John Locke atribuiu aos Africanos. Em outras palavras, a gente disse que todos aqueles que não seguem aquelas regras ao 'pé da letra', não falam português e nem mandarim: falam lixo. Na segunda variante, as normas derivam do uso da língua. As palavras voam e voam. As ordens sintácticas dos constituintes frásicos alteram-se e renovam-se, mas nunca ocorre algum problema de semântica. A transmissão de mensagem ocorre fluentemente, satisfazendo os dois lados: o destinador e o destinatário. Por aqui, as pessoas são assaz felizes, pois não se deixam intimidar e nem enganar-se por um intruso ou uma intrusa mandante. Nessa variante, as pessoas não têm medo de se expressar. Aliás, falam livremente.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 21/09/2016
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